Índios engrossam estatísticas negativas em MS
28/11/07
Em Japorã, dos 16 bebês mortos em 2007, 9 viviam em aldeia
João Naves
Maria da Silva Dutra, de 43 anos, mãe de sete filhos, perdeu os últimos três. Um por aborto espontâneo, outro vítima de hemorragia no umbigo e o mais recente, no início deste ano, nasceu morto. "Passou da hora de nascer e o médico só fez o parto quando o bebê morreu na minha barriga, uma semana depois de eu entrar em trabalho de parto", conta. A história de Maria não é a única em Japorã, em Mato Grosso do Sul, a 480 quilômetros de Campo Grande.
S.A., de 23 anos, também não foi socorrida a tempo e perdeu a filha. A.R.B, de 28 anos, tem a mesma queixa sobre o atendimento dado às gestantes da cidade, mas prefere ficar calada, porque depende da prefeitura de Japorã para sobreviver. Outras denúncias silenciosas são os túmulos e as covas de recém-nascidos no cemitério local.
O prefeito, Rubens Freire Marinho (PT), não fala sobre as denúncias dessas mulheres e a secretária municipal de Saúde, Maria Rosinei Sobczack, se defende dizendo que está há apenas quatro meses no cargo. "Esses casos aconteceram no início do ano, quando eu ainda não ocupava o lugar." O assessor de imprensa, Walter Silva, de 30 anos, é quem acabou falando sobre a situação.
Segundo Silva, os problemas podem decorrer da negligência dos funcionários do Posto Central de Saúde da Família, o único da cidade. "Vamos apurar tudo aqui em Japorã e também em Mundo Novo, em um hospital onde a prefeitura tem convênio, que atende gestantes e parturientes." A secretária de Saúde prefere manter em sigilo o nome do médico encarregado pelo atendimento no posto.
As três mulheres realizaram o pré-natal e participaram do programa destinado às gestantes, conforme registros no posto de saúde. Acabaram engrossando o índice que aponta Japorã como um dos municípios brasileiros com maior número de mortes entre crianças com menos de um ano: 84,6 mortos por mil nascidos vivos em 2004, de acordo com o SUS-MS.
ÍNDIOS
O assessor culpou os 4.388 índios da etnia guarani-ñhandeva. "É lá que a mortalidade é grande. Aqui, não." Eles moram na Aldeia Porto Lindo, a 40 quilômetros da cidade.
A tribo representa 62% dos 7.339 habitantes do município. De janeiro a outubro deste ano, 16 crianças com menos de um ano morreram em Japorã - nove delas, indígenas. Para o coordenador regional da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), órgão responsável pela saúde indígena no Estado, Flávio Costa Brito Netto, os índices deveriam ser separados, porque "índio é índio, tem lá seus costumes, sua cultura, é diferente dos brancos".
Essa condição, ainda segundo Brito Netto, não impede as ações que estão sendo desenvolvidas em Porto Lindo, para reduzir os óbitos na faixa etária de zero a um ano. "Estamos com várias equipes procurando crianças indígenas em cada residência da Aldeia Porto Lindo. Montamos lá a Casa de Saúde onde, atualmente, seis crianças estão em tratamento, recebendo as mais variadas formas de alimentos para combater a desnutrição."
Brito Netto explicou que essa medida é necessária porque os ñhandevas têm o costume de desprezar as crianças doentes. "Para eles, a natureza deve tomar conta. Há resistência aos tratamentos. Eles chegam a fugir", afirma o coordenador da Funasa. "Ontem, lançamos uma cartilha para esclarecer a população indígena do Estado, principalmente das etnias terena, caiová e ñhandeva, sobre a importância de evitar as mortes dos filhos, levando-os ao médico e sobre o trabalho de prevenção com as gestantes."
O Estado de S. Paulo