23/07/2009

TV mostra tratamento da saúde mental no Brasil

TV mostra tratamento da saúde mental no Brasil
Programa especial reúne casos e meios de atendimento psiquiátrico, revelando que, nos últimos 20 anos, 70% dos leitos destinados a pacientes com doença mental foram fechados


Pacientes do Hospital Pronto Atendimento Psiquiátrico, no Distrito Federal, participam do programa (foto, em preto e branco, com pessoas atrás de uma tela de arame vestidas com roupas hospitalares brancas - informe para pessoas cegas - Def\Net)


O programa Inclusão, da TV Senado, apresenta neste fim de semana reportagem especial sobre transtorno mental, uma continuação do programa levado ao ar em abril sobre a incidência do problema em crianças e adolescentes. Estima-se que o país tenha hoje 17 milhões de pessoas com algum tipo de transtorno mental.

O especial mostra iniciativas voltadas para o tratamento dos diferentes transtornos, sendo que, no Brasil, os casos mais comuns são os de esquizofrenia, transtorno bipolar, transtorno obsessivo-compulsivo e depressão. Do total de doentes, 12% apresentam problemas psiquiátricos graves e necessitam de atendimento contínuo.

A diretora e apresentadora do Inclusão, Solange Calmon, reuniu exemplos desses tratamentos, como o trabalho da médica Nise da Silveira – que nas décadas de 1950 e 1960 revolucionou a psiquiatria ao substituir os tratamentos de choque; o programa De Volta pra Casa, do Ministério da Saúde, que oferece uma bolsa para egressos de longas internações; o Instituto de Saúde Mental, do Distrito Federal; e o Museu da Colônia Juliano Moreira, no Rio de Janeiro.

O Inclusão aborda ainda outras ações governamentais, como os centros de atenção psicossocial (Caps), previstos na lei da reforma psiquiátrica em vigor desde 2001. Mostra também a carência desses serviços: hoje, dos 1.394 centros existentes no Brasil, apenas 40 unidades têm capacidade para internar pacientes em crise.

Além disso, o programa registra que, nos últimos 20 anos, quase 70% dos leitos psiquiátricos do país foram fechados – segundo o Ministério da Saúde, o atendimento à saúde mental conta com apenas 2% do orçamento anual do Sistema Único de Saúde (SUS).

A programação completa da TV Senado pode ser acessada pela página da emissora na internet (www.senado.gov.br/tv). A emissora também está no Twitter, com o endereço http://twitter.com/tvsenado.

20/07/2009

RODA Educação Popular em Saúde e práticas cotidianas das equipes: Possibilidades em experimentação

RODA


Educação Popular em Saúde e práticas cotidianas das equipes:

Possibilidades em experimentação

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Educação Popular, Redução de Danos e o acolhimento de pessoas que usam drogas

Dênis Roberto da Silva Petuco


Se você não me conhece, permita que eu me apresente. Sou natural de Porto Alegre, morando em João Pessoa desde fevereiro de 2009, onde faço mestrado em Educação, sob orientação do Professor Eymard Vasconcelos. Meu projeto de pesquisa, assim como toda minha atuação militante e profissional nos últimos anos, está ligado à reflexão sobre o problema do uso de drogas na contemporaneidade, especialmente no que diz respeito às suas interfaces com os serviços e sistemas de saúde. Sou redutor de danos, e tenho formação em Ciências Sociais.

Pensei em iniciar este texto-provocação com uma história bem pessoal, que é a história do meu acercamento com o tema do cuidado de pessoas que usam drogas, e de como a Educação Popular conferiu sentidos específicos a esta trajetória. Em 1989, eu tive contato com um movimento disparado a partir da campanha de Lula à presidência. O Movimento Pró Comunidades Artísticas de Base era uma ampla articulação de ativistas do campo da cultura, que tinham por interesse ultrapassar os antigos paradigmas de militância cultural, inspirados nos Centros Populares de Cultura da UNE. E foi no contexto do ativismo cultural que travei, pela primeira vez, contato com as idéias de Paulo Freire.

Os anos subseqüentes a este primeiro contato foram vividos num turbilhão que mesclou militância política, ativismo cultural, álcool e cocaína. Em 2000, submeti-me a um longo tratamento em uma comunidade terapêutica. Após este período, passei a dirigir minha atuação ao tema do uso de drogas: inicialmente, eu dediquei-me ao trabalho em comunidades terapêuticas. Posteriormente, interessado em me aproximar das pessoas ainda em uso, eu aceitei o convite para trabalhar em uma instituição ligada à igreja progressista, e que realizava trabalhos de educação social em uma comunidade empobrecida da periferia de Porto Alegre.

Neste trabalho, eu tive minha segunda aproximação com as idéias de Paulo Freire. Minha tarefa era contribuir com a formação de jovens participantes de cursos de formação profissional, a partir do debate de temas diversos (mundo do trabalho, gênero, sexualidade, uso de drogas, saúde, questão racial, violência, e debates sobre direitos humanos de um modo geral). Usava muito o teatro, a música, e muitos filmes. Paralelo a isto, tive colegas de trabalho maravilhosos, com os quais eu aprendi tudo o que sei sobre Educação Popular.

Por volta de 2003, eu e mais duas colegas psicólogas passamos a nos dedicar, dentro da instituição, à construção daquilo que chamávamos de “Plano Integrado de Prevenção ao Uso Indevido de Drogas”. Nossa idéia era buscar articulações que permitissem construir itinerários de acolhimento para jovens moradores da comunidade, que estivessem vivendo problemas com o uso de drogas. O trabalho era simples, e consistia de um grupo de acolhimento para estes jovens, e de um esforço pessoal de nossa parte em conhecer todas as possibilidades de apoio que poderiam existir em nível comunitário, dentro e fora de nossa instituição. Neste sentido, nos dedicávamos a visitar PSF’s e escolas, passando por coordenações de projetos dentro e fora da nossa instituição, e da sensibilização de distintas lideranças na comunidade (de padr es e pastores, até traficantes).

Foi durante este esforço de articulação com os mais diferentes atores sociais da comunidade, que eu travei meu primeiro contato com a Redução de Danos. Não lembro exatamente em que momento ficamos sabendo que o Programa de Redução de Danos da Prefeitura Municipal de Porto Alegre (PRD/PoA) realizava ações na região, mas lembro do dia em que fomos conversar com Márcia Colombo no posto de saúde da Vila Cruzeiro do Sul, onde se situa até hoje a sede do programa. Explicamos nosso trabalho, e Márcia, o deles: faziam intervenções no território, junto a usuários de drogas injetáveis, nas noites de quinta-feira. Impressionado e curioso, eu perguntei se poderia acompanhar o trabalho de campo dos redutores.

Numa quinta-feira, ao fim de tarde, Carlinhos, Cesar e Tânia me apanharam na sede da instituição, e juntos subimos o morro. Paramos o carro em frente a um beco, e adentramos as artérias da comunidade. Já na primeira quebrada, passei por dois jovens que eu conhecia dos cursos de formação profissional: estavam em uma roda, com outros três jovens de mesma idade, fumando maconha. Cumprimentaram primeiro aos redutores de danos, a quem já conheciam, e só depois viram que eu estava junto. Mas foi muito curioso: era como se ver-me junto àquelas pessoas fosse uma garantia de que eu não agiria de modo preconceituoso. De alguma maneira, estava claro que não seria preciso temer qualquer tipo de vazamento daquela informação; era, a partir de agora, um segredo nosso.

Seguimos adentrando por vielas e becos. Em dado momento, entramos em um casebre onde encontramos alguns homens à volta de uma mesa de sinuca. Enquanto Carlinhos e Cesar distribuíam preservativos em meio aos gracejos dos homens, percebi que Tânia abriu uma discreta porta à esquerda, e sumiu de nosso raio de visão. Quando aquela porta abriu novamente, pude ver que havia algumas mulheres dentro de uma sala escura. E foi assim que eu descobri que havia prostíbulos dentro da comunidade na qual eu já trabalhava havia cerca de dois anos.

Aquela experiência foi marcante. Trabalhar com aquelas pessoas tornou-se uma obsessão. Fiquei muito feliz quando fiquei sabendo que o programa estava se preparando para ampliar a equipe em duas pessoas, passando de oito a dez agentes. Fui entrevistado por Márcia Colombo e Mirtha Sudbrack, e escolhido entre não sei quantos outros candidatos. Em dezembro de 2003, eu comecei a trabalhar no PRD de Porto Alegre.

Começar a trabalhar com Redução de Danos disparou coisas que não foram percebidas em um primeiro momento. Destas, talvez a que mais me chame à atenção, hoje, é perceber que naquele momento eu produzia, dentro de mim, um afastamento dos debates e reflexões relativos ao campo da Educação. Sem perceber, eu sentia como se estivesse me afastando do campo da Educação, e me aproximando do campo da Saúde. Abandonei o estudo de autores dedicados à Pedagogia, e passei a devorar tudo o que encontrava sobre Saúde Coletiva, especialmente coisas que relacionassem Sociologia e Antropologia da Saúde ao tema do uso de drogas, ao passo que no âmbito da militância, também passei a dedicar mais energia aos espaços do campo da Saúde.

Mas, no início de 2005, aconteceu algo que representou minha terceira aproximação com a Educação Popular. Pela quarta vez, a cidade de Porto Alegre recebia ativistas de todo o mundo, para a realização do V Fórum Social Mundial, e o PRD/PoA participou ativamente do GT de Saúde, e da construção do espaço de Saúde e Cultura Ernesto Che Guevara. Em uma daquelas tórridas tardes do verão portoalegrense, acabou caindo em minhas mãos um folder da Articulação Nacional de Movimentos e Práticas de Educação Popular e Saúde (ANEPS).

Como um fogo que queimasse meu cérebro, aquelas palavras foram corroendo as camadas que eu arbitrariamente havia construído entre Saúde e Educação. Não era preciso ler o conteúdo do folder: bastava que eu lesse o nome daquela organização, para acessar um nível de entendimento que se tem, não com a racionalidade, mas com as vísceras. Era no meu corpo que aquela consciência produzia efeitos. Eu não pensava; eu sentia! E o que eu sentia? Simples: “o que nós fazemos na Redução de Danos é, com certeza, uma experiência radical de Educação Popular em Saúde”.

Aquela certeza queimava na minha mente. Lembro daquela sensação ainda hoje. Eu e outros redutores de danos de diversas cidades do Brasil e do mundo formávamos duplas com outros trabalhadores de saúde, interessados em conhecer mais sobre Redução de Danos. Lucenira Kessler era minha parceira preferencial no trabalho de campo, e eu lembro que conversamos muito sobre aquela verdadeira iluminação que eu acabara de viver. Antes mesmo do término do FSM, ela me emprestou os livros “Educação Popular e Atenção à Saúde da Família”, resultante da tese de doutorado de Eymard Vasconcelos, e “A Saúde nas Palavras e nos Gestos”, organizado também por Eymard, com textos de diversos autores que se dedicam à reflexão em torno dos desdobramentos da Educação Popular no campo da Saúde. Eu jamais devolvi os livros.

Neste ponto, creio que preciso explicar porque este momento foi tão importante. Acontece que não se trata simplesmente de conseguir dar nome àquilo que se faz. Fosse isto, e a questão toda seria muito simples. “Ah, que bom... Quer dizer que isto que eu faço tem um nome...”. Não... Foi algo mais importante que isto. Acontece que a Educação Popular possui a potência e o frescor que somente os saberes insurgentes possuem. Ou seja: não se tratava de encontrar uma categoria teórica capaz de domesticar os vácuos que a Redução de Danos apresentava, inscrevendo cada pequeno ato em um circuito teórico de significação. De modo algum! Tratava-se de algo totalmente diferente, talvez mesmo o oposto: tratava-se de cruzar saberes malditos, indomáveis, em um diálogo que não buscava acomodações, mas a amplificação de dúvidas, d e incertezas, e de potência.

Há muita polêmica em torno da Redução de Danos. Diz-se que ela não consegue melhorar a qualidade de vida das pessoas, que acabam entrando em um circuito de sustentação do uso; diz-se ser uma mera estratégia política de grupos antiproibicionistas; por outro lado, há também os esforços para “limpar” a Redução de Danos, de modo a incorporá-la como técnica objetiva de cuidado, observável em manuais e indicadores epidemiológicos. Quero dizer no que acredito: na potência da Redução de Danos como dispositivo de humanização do cuidado, e por consequência, como ferramenta de efetivação dos princípios do SUS junto a pessoas que usam álcool e outras drogas.

Quero terminar contando uma história que vivi durante o seminário “Outras palavras sobre o cuidado de pessoas que usam drogas”, realizado em Porto Alegre, em novembro de 2008, numa articulação entre movimento de Luta Antimanicomial e movimento social de Redução de Danos, promovida pelo Conselho Regional de Psicologia. No seminário de dia inteiro, havíamos programado que a parte da tarde começaria com trabalhos em grupo, a partir de algumas das problematizações levantadas ao longo da manhã, e de um lindo poema do Carlinhos Guarnieri:


Detergente


Não vale queixa,

Isto não deixa

Enxergar, pensar direito,

A lágrima no olho,

A dor no peito...

A mágoa

Só enxágua

No desabafo,

Não deixa safo

Da sujeira vigente

Há de ter gente

Movida pelo coração

Mas guiada pela razão

Visando a perspectiva

Em discussão produtiva

Pra levar o real

Mais perto do ideal

A expectativa

É mãe da decepção

A rede só fica viva

Por convicção e ação!


Convenhamos, era um convite a ação. Sintetizava tudo o que desejávamos, e que havia sido manifesto de diferentes maneiras ao longo das diversas reuniões de organização do seminário, na sede do CRP. Na parte da manhã, Domiciano Siqueira fez uma conferência de abertura provocadora, ressaltando diversos aspectos problemáticos na história das aproximações entre Saúde Mental e uso de drogas. Agora, era o momento da palavra circular com liberdade, e de estarmos atentos para o registro das coisas que iam acontecer nos grupos, e para que não se perdesse a possibilidade de articulação das distintas experiências que se apresentariam naquele espaço.

De repente, ela falou. Era uma jovem educadora social, algo entre 25 e 30 anos. Estava acompanhada de um grupo de jovens com quem trabalhava. Era algum tipo de trabalho ligado ao cumprimento de medidas sócio-educativas. Dentre as atividades programadas para estes jovens, estava a oficina de marcenaria (pelo que pude entender, eles adoravam). A educadora explicou a presença deles no evento: depois de uma aula sobre Redução de Danos, alguns dos jovens passaram a questionar uma norma que dizia que eles não poderiam participar das oficinas de marcenaria quando estivessem sob efeito de drogas. Segundo a compreensão destes jovens (bastante adequada, a meu ver!), participar da oficina de marcenaria sob efeito de drogas era mais seguro do que ficar na rua, nas mesmas condições. A educadora julgou o questionamento bastante pertinente, mas considerou arriscado decidir qualquer coisa antes de maior reflexão. Foi quando ficou sabendo do seminário, e inscreveu a si mesma e a todo o grupo de estudantes.

Creio que esta história mostra um pouco da potência inscrita nos cruzamentos entre Redução de Danos e Educação Popular. A prática de definir estratégias a partir do debate horizontal, da reflexão, da problematização, é princípio fundante da Educação Popular. A Redução de Danos, por seu turno, fala em promoção de saúde e cidadania, incentivando a reflexão e a politização como meio de compreender as múltiplas vulnerabilidades às quais estão sujeitas as pessoas que usam drogas. Neste sentido, tanto a Educação Popular quanto a Redução de Danos estão a nos lembrar de velhos compromissos construídos historicamente, com muita luta, e dos quais somos – espero - todos defensores. Falo dos compromissos que temos com a potência inscrita na luta em torno da Reforma Sanitária, e por uma sociedade livre dos manicômi os. Falo, no limite, da luta por uma sociedade radicalmente democrática, com todas as implicações deste compromisso quando pensamos na parte que nos cabe, no trabalho em saúde.

A Educação Popular e a Redução de Danos nos lembram de princípios, de compromissos, que sempre foram os nossos. Neste sentido, que importância teriam? E eu digo: a importância da Redução de Danos e da Educação Popular, em suas contribuições ao cuidado de pessoas que usam álcool e outras drogas, é justamente este ato de lembrar o que não deveria ser esquecido, jamais. Não deveria ser preciso lembrar que o acolhimento deve ser incondicional, por exemplo. Mas diante de uma realidade na qual CAPS-ad se acham no direito de exigir abstinência, e hospitais recusam-se ao acolhimento de pessoas que usam crack em leitos de desintoxicação, talvez a referência à universalidade ainda guarde a mesma potência transgressora do início dos anos 80. Diante da insistência em campanhas “educativas” que apresentam usuários de droga s atrás das grades, chamados de criminosos, como na campanha sobre álcool e direção que o Governo Federal ora divulga, talvez seja preciso admitir que ainda não superamos, no cuidado de pessoas que usam álcool e outras drogas, questões que o movimento social de luta contra a Aids coloca no ambiente da Saúde Coletiva brasileira. Questões como o respeito à dignidade, ou dito de outra maneira: sobre as implicações entre identidades, saúde e política.

Inventar a roda. Quem sabe uma clínica freireana, que nos permita o acolhimento incondicional, e a politização da escuta, recusando a rotulação que fecha nossos ouvidos para todo o qualquer discurso que não seja o do herói que venceu as drogas, ou o do desesperado que busca qualquer tipo de ajuda, com uma adesão acrítica e quase irrefletida. Inventar a roda. A roda de pessoas em torno do uso de droga, ambiente comum ao trabalho do redutor de danos, e a roda de pessoas em torno dos círculos de cultura, ambiente comum ao trabalho do educador popular. “Ninguém educa ninguém, ninguém se educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo.”

Guerra perdida

Amaioria dos condenados por tráfico são réus primários, presos sozinhos e com pouca quantidade de droga. Essas são algumas das conclusões de uma pesquisa ainda inédita, coordenada pela professora Luciana Boiteux, da Faculdade de Direito da UFRJ, e Ela Wiecko, da UnB.

Patrocinado pelo Ministério da Justiça, o estudo completo será apresentado em 5 de agosto, durante um encontro na ONG Viva Rio, com a participação de Ethan Nadelmann, diretor da Drug Policy Alliance, que propõe alternativas à política da “guerra às drogas” americana.

As pesquisadoras analisaram 730 formulários, preenchidos com base em sentenças das varas criminais do Rio de Janeiro e do Distrito Federal. Os dados revelam que mais de 60% dos condenados estavam sozinhos no ato da prisão. Dois terços dos presos fluminenses não possuíam antecedentes criminais. Em Brasília, os primários somam 38%.

Maconha e cocaína são as drogas mais apreendidas, geralmente em pequenas porções. No Rio, metade dos presos com maconha portava menos de 100 gramas e 5,1%, mais de dez quilos. Em Brasília, 68,7% foram presos com menos de 100 gramas e 7,8% com mais de dez quilos. A mesma tendência se verifica em relação à cocaína. Três quartos dos condenados no Rio portavam menos de 100 gramas da droga e nenhum deles foi preso com mais de 10 quilos. No Distrito Federal, 47,5% foram detidos com menos de 100 gramas e 5,1% com mais de 10 quilos.

“A polícia tem levado para a cadeia quem trabalha no varejo”, diz Boiteux. “Os atacadistas estão fora dos presídios. Para combatê-los, é necessário muita investigação. Mas é mais fácil prender os pequenos em batidas policiais de rotina.”

Pedro Abramovay, secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, diz que o governo pretende coletar dados para ampliar o debate em torno de uma nova política contra as drogas. “A lei de 2006 deixou mais branda a pena aos usuários, mas continuou ambígua na hora de diferenciar o consumidor do pequeno traficante, e este do atacadista.”

No Congresso, o deputado Paulo Teixeira (PT-SP) é um dos principais defensores de uma abordagem menos repressiva. “Colocar pequenos traficantes na cadeia só agrava o problema. É lá que eles entram para o crime organizado.”

Para o médico Fábio Mesquita, que coordena das Filipinas um programa da Organização Mundial da Saúde para a redução de danos em 39 países, o Brasil precisa avançar em medidas de prevenção. “Trocar seringas não é suficiente. Propostas mais ousadas, como as salas de uso seguro de drogas, existentes em vários países europeus, e terapia usando drogas de substituição foram vetadas pela Secretaria Nacional Antidrogas.”

Para o antropólogo Rubem Fernandes, da Viva Rio, a sociedade precisa encarar esse debate sem preconceitos. “A política de tolerância zero não tem dado resultado. Em 2001, Portugal descriminalizou o uso e o porte de drogas em até dez doses diárias e conseguiu reduzir o consumo em 10%”, afirma.