19/02/2008

Fórum de Mato Grosso do Sul verifica insegurança alimentar em terra indígena

Fórum de Mato Grosso do Sul verifica insegurança alimentar em terra indígena18/02/2008 20:10 Por Delzi Castro - FESANS-MS

O Fórum Estadual de Segurança Aliemntar e Nutricional Sustentável de Mato Grosso do Sul (FESANS-MS) esteve na terra indígena Kurussú Ambá, acampamento localizado às margens da Rodovia MS-289.
A terra se localiza no município de Coronel Sapucaia, apontado pelo “Mapa da Violência dos Municípios Brasileiros 2008”, estudo elaborado por Julio Jacobo Waiselfisz, Diretor de Pesquisas do Instituto Sangari, como o município mais violento do Brasil.

A situação de insegurança alimentar e nutricional pela qual passam as pessoas ali acampadas é claramente visível pelo aspecto físico que apresentam. Crianças e idosos, por serem mais vulneráveis, encontram-se visivelmente desnutridos.Segue relatório sobre a visita.

FÓRUM ESTADUAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL SUSTENTÁVEL DE MATO GROSSO DO SUL – FESANS-MSRELATÓRIO VISITA KURUSSÚ AMBÁ – MUNICÍPIO CORONEL SAPUCAIA – FRONTEIRA COM O PARAGUAIDATA: 30/01/2008Horário: Saída 05:00h – Chegada: 22:15hParticipantes: CIMI, CDDH, FESANS, Campo Grande News, MultiPress ComunicaçãoCIMI: Egon Heck (coordenador) e Rogério (advogado).CDDH: Paulo Ângelo de Souza (presidente) Dra Carine Beatriz Giaretta (advogada), Hélio (motorista), Ticiane Fhanine (responsável financeira), Rejane Candato – representante da Marcha Mundial de MulheresFESANS: Delzi Maria de Araujo Castro (Coordenadora)MultiPress Comunicação, Assessoria de Imprensa e Reportagem- Jornalista Suki Ozaki Site Campo Grande News - Jornalista Sandra Luz Localização: Terra Indígena Kurussú Ambá. - Acampamento localizado às margens da Rodovia MS 289, no município de Coronel Sapucaia, apontado pelo “Mapa da Violência dos Municípios Brasileiros 2008”, estudo elaborado por Julio Jacobo Waiselfisz, Diretor de Pesquisas do Instituto Sangari, como o município mais violento do Brasil.Etnia: Guarani-caiuáFamílias: 38População: 125 pessoasVisita realizada aos indígenas acampados às margens da rodovia 289 que liga Caarapó ao município de Coronel Sapucaia em Mato Grosso do Sul, fronteira com o Paraguai.OBJETIVO1) Prestar informações e esclarecimentos pelo CIMI aos indígenas sobre a situação jurídica da terra Kurussú Ambá em conflito de posse com o proprietário da Fazenda Madama além do acompanhamento dos processos de 4 indígenas condenados e dos processos da morte das duas lideranças assassinadas ano passado.2)Entrega de roupas e calçados, arrecadados em campanha realizada pelo CDDH com a participação de pessoas físicas e as organizações sociais: INFRAERO, CDDH, CIMI, ACP, FETEMS, CMS, ONG GIRASSOLIDÁRIO, CRASS E MULTIPRESS COMUNICAÇÃO.3)Verificação pelo FESANS/MS, sobre a Segurança Alimentar e Nutricional das pessoas acampadas.
TERRITÓRIOA

Terra encontra-se em litígio (transitório proibitivo), aguardando decisão judicial, enquanto isso cerca de 125 pessoas, dentre elas crianças e idosos, estão á margem da rodovia vivendo em situação precária, em barracos de lonas, sem saneamento básico, sujeitas às intempéries, sem a mínima condição humana, desprovidas de total dignidade.

SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONALA

situação de insegurança alimentar e nutricional pela qual passam as pessoas ali acampadas é claramente visível pelo aspecto físico que apresentam. Principalmente crianças e idosos, por serem mais vulneráveis, encontram-se visivelmente desnutridos.A ação de entrega de cestas de alimentos, realizada pela FUNAI não é suficiente em quantidade, qualidade e regularidade conforme preconiza a Lei 11.346/2006, artigo 3º, que é dever do Estado prover a alimentação adequada e saudável, respeitando os hábitos alimentares dessa população.Além disso o artigo 2º da mesma lei, determina ser responsabilidade do Estado a garantia da realização desse direito humano.Essa garantia constitucional, nesse caso, o princípio da dignidade da pessoa humana, tem sido sistematicamente violado, ao ser negado essa condição básica e primordial de sobrevivência, que é o acesso ao alimento fundamental para a manutenção da vida.No Termo de Cooperação celebrado entre o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome-MDS, A Companhia Nacional de Abastecimento –CONAB, a Fundação Nacional de Saúde-FUNASA, a Fundação Nacional do Indio-FUNAI e o Estado de Mato Grosso do Sul, ficou determinada a distribuição de 52 mil cestas de 22 kg de alimentos, em 38 aldeias na região CONE SUL, em situação de insegurança alimentar e nutricional.O cronograma de distribuição estava previsto em 4 etapas durante o ano, finalizando em 31/12/2007.Ocorre que se iniciou a distribuição da primeira etapa somente em setembro/2007, com previsão de término em 05/02/2008. Durante os meses de Jan a Ago/2007, as famílias ficaram completamente desassistidas em sua alimentação, sem contar que o acordo expirou em 31/12/2007, sem previsão de renovação ou outra ação que o substitua.A existência desse acordo já não cumpria a lei no que se refere às necessidades alimentares diárias e regular dessas famílias, imagine-se agora sem o mesmo ou outro que o valha, essas pessoas ficarão entregues à própria sorte, em completo abandono e total ausência do Estado Brasileiro.Houve reclamações quanto ao conteúdo da cesta, pela falta de proteína, ítem fundamental na pirâmide alimentar, a qual poderá ser incluída em forma de charque por não necessitar de refrigeração. Solicitaram também além da inclusão da proteína, outros produtos tais como: sabão, sal, fósforo e erva-mate, esta última segundo relato deles, essencial em seus hábitos alimentares como se fosse o cafezinho nosso.
SAÚDE Solicitaram um agente de saúde proveniente da própria comunidade para atendê-los, havendo muitas reclamações quanto ao atendimento rude e ríspido por parte de alguns profissionais da FUNASA.
Relataram que o atendimento dado nos Postos de Saúde aos indígenas feridos nos conflitos com fazendeiros, pistoleiros e a própria polícia é discriminatório e precário, são tratados com descaso, sem a devida atenção que o caso requer. Há no acampamento quatro pessoas (uma mulher e três homem) com ferimentos de balas. Nos homens, os projéteis ainda encontram-se alojados em seus corpos.

VIOLÊNCIA

Os desaldeados de Kurussú Ambá, provenientes em sua maioria de uma mesma família, deixaram a aldeia de Taquaperí (Coronel Sapucaia) em janeiro de 2007 e tentam desde então retornar ao Tekhora (terra tradicional) que chamam de Kurussú Ambá, onde se encontra localizada a fazenda Madama. Nessa tentativa de retorno, uma liderança espiritual – Julite Lopes (73 anos) - foi assassinada por pistoleiros e os indígenas tiveram que voltar para as margens da MS 289. Sem as condições mínimas de dignidade (água potável, comida, trabalho e sem a possibilidade de lavrar a terra), os índios ficam ainda à mercê do terrorismo dos fazendeiros locais que pagam pistoleiros para fazer a segurança e monitoram os índios, dia e noite.Em julho de 2007, outra liderança, Ortiz Lopes, foi também assassinado em frente de sua mulher e filhas, por pistoleiros. Lopes, semanas antes, denunciou na OAB/MS, o clima de violência e as constantes ameaças de morte que vinha sofrendo. Pelas duas mortes, ninguém até hoje foi preso. Em contrapartida, quatro índios de Kurussú Ambá foram condenados, em tempo record, em setembro do mesmo ano a pena de 17 anos de prisão sob acusação de furto de um trator e uma carreta. Segundo a versão dos índios, tanto o trator quanto a carreta tinham sido emprestados pelo fazendeiro e que o mesmo estava presente por ocasião das prisões.Em novembro, mais uma vez os indígenas tentaram sair das margens da MS 289 e conseguir um pedaço de terra na entrada da fazenda, quando foram despejados e repelidos para as margens da rodovia sob a mira de cerca de 80 pistoleiros. Segundo seus relatos, o tiroteio que eclodiu já no acampamento da rodovia visava mais uma vez as lideranças e fez 4 feridos. O Boletim de Ocorrência registrou apenas a versão dada pelo advogado do proprietário da fazenda Madama e os índios, apesar de estarem na delegacia, não chegaram sequer a serem ouvidos, mesmo tendo sido, eles os baleados. Graças à intervenção do CIMI e do CDDH, foi articulada à vinda no dia 28 de novembro para a capital de quatro lideranças de Kurussú Ambá, onde os indígenas denunciaram na OAB, CONSEA e na Assembléia Legislativa, o clima de terror e miséria em que vivem. Dois dos líderes que participaram dessa comissão, Eliseu Lopes e Jenete Ferreira, encontram-se escondidos desde então, pois receberam várias ameaças de morte.

DOCUMENTAÇÃO CIVIL

Há muitos indígenas sem documentos, portanto impossibilitados de acesso à rede de proteção social.Solicitaram que seja providenciado meio que lhes permitam a retirada dos documentos civis tais como registro, CPF e carteira de identidade civil fornecida pela Secretaria de Segurança Pública. Eles alegam que somente a carteirinha indígena fornecida pela FUNAI não é aceita pelos próprios órgãos governamentais como documento de Identidade.

SEGURANÇA PÚBLICA

Informaram que a Polícia Federal só aparece no acampamento para intimidá-los, com revistas e apreensão de todas as ferramentas disponíveis tais como machados, facões, foices, enxadas e facas de cozinha, alegando serem armas e não ferramentas de trabalho, entretanto a reivindicação é de que a polícia exerça também a função de protetora e responsável pela segurança dos mesmos, contra as investidas de pistoleiros e milícias contratadas por fazendeiros para expulsá-los e coagi-los a abandonarem a luta pela terra, colocando em risco a vida e a integridade física de todos os presentes no acampamento.Mas uma vez as maiores vítimas são as crianças.FUNAIVisitamos a sede da FUNAI em Dourados e pudemos constatar que há vontade e disposição do órgão em se estruturar para melhor atender as comunidades indígenas sob sua jurisdição.Há um forte compromisso da atual gestão em corrigir as falhas passadas e cada vez mais avançar na consolidação do seu papel como órgão responsável pelo atendimento, realização e garantia dos direitos dos povos indígenas.

CONCLUSÃO

É necessário que as Organizações da Sociedade Civil monitorem, reivindiquem e, se necessário for, se mobilizem para que o Estado cumpra e realize os direitos humanos naquela comunidade.Monitorar o desenrolar do processo na justiça de criminalização dos indígenas para que os mesmos tenham um julgamento justo e imparcial e, ainda com relação à titularidade das terras para que o mesmo transcorra com a maior celeridade possível. Enquanto isso garantir as condições mínimas de habitação e humana, enquanto permanecem no acampamento.Assegurar que a alimentação adequada e saudável seja provida pelo Estado em quantidade, qualidade e regularidade, respeitando os hábitos alimentares e tradicionais daquele povo. É urgente que o Governo se pronuncie quanto à continuidade e regularidade da distribuição das cestas de alimentos.Exercer a intersetorialidade com as Comissões de Direitos Humanos, da OAB, Assembléia Legislativa, Comissões Permanentes de Direito Humano à Alimentação Adequada dos CONSEAs Estadual e Nacional, Comissão Especial de Monitoramento das Violações do Direito Humano à Alimentação Adequada do CDDPH/SEDH, Comissão Indígena Kaiowá/Guarani, FUNAI e FUNASA.Campo Grande, 31 de Janeiro de 2008.DELZI MARIA DE ARAUJO CASTROCoordenadora do FESANS/MS