Diminuir o fumo criando mais um cigarro
16/02/08
15/02/2008 - 21:09 Edição nº 509
Para o advogado americano David Adams, criar um cigarro com menos nicotina pode ajudar a conter o número de viciados
Laila Abou Mahmoud
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O advogado americano David Adams propôs, em um artigo publicado no jornal americano The New York Times, que a criação de um novo tipo de cigarro poderia ser uma solução para diminuir o número de fumantes. Não se trata de um contra-senso: Adams sugere a criação de um cigarro com níveis de nicotina que não viciem.
Diretor da equipe política do Food and Drugs Administration, o órgão que cuida da regulamentação de alimentos e medicamentos nos Estados Unidos, entre 1992 e 1994, Adams defende o controle do vício que, por ano, causa 440 mil mortes no país, segundo dados do Instituto de Medicina da National Academy of Sciences. As vítimas são mais numerosas do que a soma das mortes causadas por Aids, álcool, cocaína, heroína, acidentes de trânsito, homicídios e incêndios. Os gastos com os problemas de saúde causados pelo cigarro custam US$ 89 bilhões anuais.
Em entrevista a ÉPOCA, Adams explica os problemas relacionados ao fumo e dá detalhes sobre sua polêmica proposta para reduzir o número de fumantes.
ÉPOCA - Por que o senhor sugere a criação de um novo tipo de cigarro?
David Adams - A idéia é que o governo institua a criação de dois cigarros, um com e outro sem - ou com níveis muito mais baixos de - nicotina. Já há pesquisas já sobre o assunto e o governo pode estabelecer uma estratégia de forma a separar os cigarros que viciam dos que não viciam de acordo com o nível de nicotina. Os cigarros que tiverem níveis baixos de nicotina terão uma regulação própria e diferente. A idéia é desenvolver políticas que restrinjam o acesso aos cigarros que viciam e criem incentivos às pessoas para comprar aqueles que não viciam. Por meio da política, poderíamos criar uma demanda para os cigarros sem nicotina, mas eles também seriam vendidos pelas companhias de tabaco. Se o governo adotar tais medidas de restrição ao cigarro comum, pode criar uma demanda significativa pelos cigarros sem nicotina, que hoje em dia praticamente não existem. As companhia de tabaco, então, tentariam preencher esse mercado.
ÉPOCA - Quais seriam essas medidas restritivas contra o cigarro comum?
Adams - Se, por exemplo, pessoas entre 18 e 21 anos só puderem comprar cigarros sem nicotina, isso seria um mercado importante. Você também teria uma diferença significativa dos preços: os cigarros comuns seriam muito mais caros do que os sem nicotina. Assim, se algum amigo mais velho quiser comprar cigarros para os mais jovens, terá que gastar muito dinheiro. Mas os jovens não começam a fumar atrás de nicotina. Eles começam a fumar para parecer “cool”, rebeldes ou ficarem parecidos com seus pares. Se os cigarros de nicotina forem muito mais caros que os não-viciantes, os jovens não terão nenhum motivo para comprá-los.
ÉPOCA - O senhor afirma, no artigo, que, progressivamente, as pessoas teriam que ser mais velhas para poder comprar os cigarros. Como isso funcionaria?
Adams - A abordagem seria limitar a venda de cigarros que viciam para adultos nascidos depois de certo ano - por exemplo, 1988. Aqueles que nasceram depois de 1988 só poderiam comprar cigarros sem nicotina/que não viciam. A população nascida antes de 1988 gradualmente diminuiria e, por fim, não existiria mais. Até o ponto que ninguém pudesse comprar cigarros com nicotina.
ÉPOCA - Sobretaxar os cigarros com nicotina não geraria um mercado negro, livre de impostos, muito mais prejudicial à sociedade?
Adams - Sempre fica essa questão sobre o mercado negro quando você proíbe ou torna as coisas muito mais caras. Mas a questão é: por que os mais jovens iriam ter tanta vontade de comprar cigarros com nicotina se há outros mais baratos no mercado? Eles não têm esse desejo pela nicotina quando começam a fumar. É claro que pode haver um mercado negro entre aqueles que já estão viciados, mas não acho que isso seja um problema suficiente para impedir a adoção da proposta.
ÉPOCA - Em sua opinião, por que um jovem começa a fumar, já que não está vício químico?
Adams - Principalmente para imitar outras pessoas que eles vêem fumando. Os amigos, os pais, os atores do cinema. Eles querem se parecer com eles, parecer “cool”, parecer mais adulto, mais valentão, tendo um cigarro na boca. Não começam a fumar porque querem nicotina. Eles nunca usaram nicotina e ela não é, quando você começa a fumar, algo que vai dar alguma sensação boa - como o “barato” das drogas. Eles não começam a fumar pensando: “Preciso de nicotina, vamos experimentar como é um pouco de nicotina”.
ÉPOCA - Qual a idade em média em que as pessoas começam a fumar nos Estados Unidos? E a média mundial?
Adams - As pessoas começam em idades diferentes, mas muitos jovens começam antes até dos 18, provavelmente a maioria. Eles têm acesso fácil porque amigos mais velhos compram para eles.
ÉPOCA - Muitos filmes de Hollywood não mostram mais estrelas fumando em cena, como acontecia antigamente. O senhor acha que isso pode ser uma medida eficiente para diminuir o número de pessoas que começa a fumar?
Adams - De modo geral, a medida é útil. Ela ajuda as crianças a não verem tanta gente fumando nos filmes, personagens que poderiam estimulá-los a fumar. Eu não conheço nenhuma proposta de restrições significativas em filmes. Filmes são trabalhos artísticos e temos de respeitá-los. É uma boa iniciativa, mas não tenho acompanhado a produção cinematográfica para afirmar que isso de fato esteja acontecendo. Além disso, esse não é o fator mais importante de influência sobre as crianças, embora influencie, sim. O fator mais forte é a vontade de se parecer com os amigos e achar que eles vão ser líderes ao imitar os pares.
ÉPOCA - O senhor não acha que oferecer dois tipos de cigarros pode incitar jovens que sequer provariam um deles?
Adams - Não acredito que isso aconteceria, mas isso depende de como os cigarros sem nicotina serão promovidos. Se eles forem promovidos como mais seguros, que são melhores para você, é possível que alguns jovens se perguntem: “bom, os cigarros são perigosos?”. Sim, esses cigarros são perigosos: cigarros sem nicotina também não serão seguros. Só não viciarão. Acho, portanto, que terá de haver uma regulação rígida dos cigarros sem nicotina. Mas acho que os jovens começam a fumar mesmo para imitar seus pares e isso não vai mudar com a criação de um novo cigarro, sem nicotina. Tenho dúvidas se mais crianças começarão a fumar quando souberem que o cigarro não vicia. Porque eles não parecem dar muita atenção para se os cigarros viciam ou não. Os jovens acham que vão viver para sempre, que podem controlar, fumar alguns cigarros e não ficar viciados. Não acho que você vai ver um número significativo de jovens começando a fumar. E também acho que outro ponto importante da proposta é a possibilidade de poder parar. Se os mais jovens pararem de fumar, haverá muito mais outros que poderão parar. Eles pensarão mais seriamente sobre isso. Vemos muitos jovens tentando parar quando se casam e 90% deles não conseguem e acabam parando de tentar. Assim, se eles virem os amigos conseguindo parar, tentarão também.
ÉPOCA - O senhor acha que a estratégia poderia ajudar os que já são viciados em nicotina a parar de fumar?
Adams - Não acho que a estratégia dos dois cigarros seja a resposta para quem já fuma e é viciado. Acho que pode ajudar porque vai fornecer cigarros sem nicotina muito mais baratos. Mas para as pessoas que são realmente viciadas, acho que tem de haver um trabalho maior. E ajudá-los com esse vício realmente pede outras estratégias, como produtos de reposição de nicotina, por exemplo. A política dos dois cigarros não vai resolver seus problemas.
ÉPOCA - Quanto tempo levaria até que a estratégia dos dois cigarros diminuísse o número de fumantes no mundo?
Adams - Não poderia dar uma resposta precisa sem encomendar algumas pesquisas, mas acho que milhões de jovens fumantes vão tentar parar. E se houver cigarros não-viciantes, a maioria deles conseguirá. Estamos falando em dar a milhões a possibilidade de parar de fumar depois de alguns anos, e isso iria salvar milhões de nossas crianças dos males decorrentes deles.
ÉPOCA - O senhor não acha que os jovens vão burlar a legislação e comprar os cigarros que contém nicotina, da mesma maneira que alguns burlam a proibição do álcool? O que fazer para evitar isso?
Adams - É meio óbvio que isso aconteça, se pensarmos que, na década de 1920, quando houve a lei seca, as pessoas não podiam comprar bebidas, mas criaram um mercado negro. Mas 80 anos depois a situação é diferente. Você vai ter o programa do governo para restringir o acesso a produtos que viciam. As pessoas só vão poder comprar em situações específicas e serão responsáveis por seu consumo. Vai ficar mais difícil para os jovens comprar.
ÉPOCA - Haverá programas escolares, complementando a proibição?
Adams - A educação mostra bem aos jovens que não é bom fumar. Essa é a primeira mensagem que tem de ser dada a eles. Eu não diluiria essa mensagem. Só faria com que, para os que estão começando a fumar, ficasse cada vez mais difícil conseguir um cigarro com nicotina. Há vários bons esforços educacionais sendo feitos nesse país para manter os jovens longe do cigarro. Acho que essa é a mais importante mensagem transmitida às crianças e tem tido relativo sucesso.
ÉPOCA - Proibir o fumo em apartamentos, como aconteceu em Calabasas e Belmont, na Califórnia, não chega a ser uma forma inconstitucional de regular o fumo? Não interfere no livre-arbítrio do cidadão? E a proibição em lugares públicos?
Adams - Esse é outro ponto. Não sei o que pensar sobre a proibição em casa. É uma tentativa de tentar diminuir, mas não sei o quanto funcionaria. Acho que sempre haveria discussões sobre a vida das pessoas. Já em locais públicos é outro assunto. É razoável pedir às pessoas que afetam as outras ao seu redor que não façam isso e não tornem o ambiente desconfortável. É uma questão de saúde para os fumantes passivos também.
ÉPOCA - Quais são os danos do cigarro?
Adams - O Instituto de Medicina da National Academy of Sciences diz que o tabaco causa 440 mil mortes a cada ano nos Estados Unidos e que o fumo passivo atinge outras 50 mil vidas. Contando tudo, as mortes associadas ao cigarro matam mais que a Aids, o uso de álcool, de cocaína, de heroína, os homicídios, os suicídios, os acidentes de carro e os incêndios. As conseqüências econômicas do consumo de tabaco são da ordem de bilhões de dólares. A força de trabalho que é perdida com as mortes causadas pelo cigarro soma mais de US$ 92 bilhões por ano. As despesas com saúde pública e privada em doenças relacionadas ao fumo são estimadas em US$ 89 bilhões por ano. Some-se a isso que os estados e o governo federal gastam milhões de dólares anualmente com prevenção do uso de tabaco, um esforço que poderia ser direcionado para outras necessidades.
Época/Fonte revista