Doença negligenciada, tuberculose ainda registra 100 milhões de novos casos por anoAdriano De Lavor*
“Tratando-se de uma enfermidade que nos assola com a teimosia inexorável de uma endemia que não tem paradeiro, nós nos achamos na mesma lamentável contingência dos nossos antepassados, lutando tanto ou mais do que eles por um lado com a indiferença pública, por outro com a ineficácia ou mesmo ausência dos meios aconselhados para preveni-la ou debelá-la”. O trecho acima está no discurso do médico Júlio de Moura proferido no 2º Congresso Brasileiro de Medicina e Cirurgia — em 1889. Recuperado pela pesquisadora Dilene Raimundo do Nascimento em As pestes do século 20 — Tuberculose e Aids no Brasil, uma história comparada, revela que a preocupação com a doença não é recente. Mais de 100 anos depois, mesmo com tratamento de comprovada eficácia, a tuberculose é reconhecida como emergência global pela Organização Mundial da Saúde (OMS) desde 1993, por ser a maior causa de morte de adultos por doença infecciosa.
Propaganda da Liga Brasileira Contra a Tuberculose, fundada em 1912
Ela integra o rol das “doenças negligenciadas”, ainda que um terço da população mundial — cerca de 2 bilhões de pessoas — esteja infectado pelo bacilo de Koch, seu agente causador, o que representa 100 milhões de casos registrados por ano em todo o planeta. A OMS alerta: 8 milhões desenvolverão a doença (cerca de 22 mil por dia) e 2 milhões morrerão a cada ano (350 mil, associados à contaminação pelo HIV, vírus causador da Aids).
A cada 15 segundos, uma pessoa morre vítima da doença, garantiu Dráurio Barreira, coordenador do Programa Nacional de Controle da Tuberculose, do Ministério da Saúde (PNCT/MS), em sua exposição no seminário Tuberculose e comunicadores, que reuniu no fim de fevereiro jornalistas de todo o país no Hotel Pergamon, em São Paulo. A iniciativa visava sensibilizar os profissionais da imprensa, que dão grande visibilidade à Aids e à dengue, para o problema da tuberculose, relacionada diretamente às precárias condições de vida da população num país responsável por 35% do total de casos nas Américas. “A tuberculose é uma doença social, de má qualidade de vida”, alertou Dráurio aos jornalistas, lembrando que não é possível esperar-se a solução do problema da pobreza para resolver o problema da tuberculose”.
Em sua apresentação, ele informou que o Brasil ocupa a 16º posição na lista dos 22 países responsáveis por 80% do total de casos de tuberculose no mundo, o único das Américas a figurar neste ranking, liderado por Índia, China, Indonésia, África do Sul e Nigéria. Não sem a discordância do Ministério da Saúde, que considera equivocado o critério do número de casos aplicado pela OMS: o país estaria pagando o preço de ter a segunda maior população do continente. Se o critério fosse incidência, o Brasil estaria na 97ª posição, argumentam os gestores.
De qualquer modo, estima-se uma prevalência de 50 milhões de infectados no país, cerca de 111 mil casos novos e 6 mil óbitos anuais, com ênfase em 315 dos 5.564 municípios brasileiros, que concentram 70% dos casos. Segundo Dráurio, no Brasil a tuberculose é a nona causa de internações causadas por doenças infecciosas (DI), a sétima em gastos com internações no SUS e a quarta causadora de mortes (entre as DI). O Rio de Janeiro é o estado que concentra o maior número de casos, com média de 12 mil por ano e incidência de 85 doentes para cada 100 mil habitantes — mais que o dobro da média nacional, que é de 40,8 casos por 100 mil. Os números explicam por que a doença é prioridade do governo brasileiro desde 2003.
Novos complicadores
Acrescente-se a isso a chegada, nos últimos anos, de novos complicadores: a tuberculose na infância, de difícil detecção — em 2000, a OMS estimava a incidência no grupo de 0 a 14 anos, no mundo, em 1 milhão de casos, ou 10% do total; a forma multirresistente da doença, que já atinge 500 mil pessoas anualmente — segundo a OMS divulgou em fevereiro, 90 mil pacientes foram pesquisados em 81 países, e em 45 deles, como Armênia e Estônia, foi detectada variante virtualmente intratável da tuberculose; ou ainda a dupla complexidade da associação tuberculose e infecção pelo HIV.
Diante de tantos desafios, pelo menos nas intenções a “indiferença pública” percebida no século 19 não é mais a realidade no Brasil de 2008. O Programa Nacional de Controle da Tuberculose (PNCT), criado há 30 anos, busca detectar 70% dos casos estimados e curá-los em 85%, como resposta à Meta do Milênio nº 6, da ONU, de redução em 50% do número de novos casos até 2015. Atualmente, o ministério calcula ter alcançado 70% de detecção, enquanto a cura estaria em 77%. O governo criou força-tarefa de consultores para estados e municípios no esforço de reduzir à metade o número de óbitos até 2010 e antecipar o cumprimento da meta.
A prática, porém, é diferente, num país de orçamentos sempre insuficientes para a área da saúde. Em 2004, o governo federal empenhou no controle da tuberculose R$ 35,1 milhões dos R$ 40,3 previstos na lei orçamentária, assim mesmo em conjunto com ações contra a hanseníase. Antes, em 2003, dos R$ 34,3 milhões previstos em lei apenas para a tuberculose, empenhou R$ 30,2 milhões. E pode ter sido menos. Em artigo publicado na edição suplementar de setembro de 2007 da Revista de Saúde Pública da USP, dedicada à doença, Joseney Santos, ex-coordenador do PNCT/MS, afirma que entre 2004 e 2007 o governo destinou R$ 20 milhões às ações do programa. Em fevereiro deste ano, comunicado do Fórum ONGsTB-RJ denunciava o prejuízo causado à saúde pela extinção da CPMF: “Depois não compreendemos por que a tuberculose — uma doença que tem cura — mata 5 mil brasileiros todos os anos”.
Na solenidade do Dia Mundial de Luta contra a Tuberculose (24/3), o ministro José Gomes Temporão defendeu a conscientização da população como um dos meios para a redução dos índices da doença no Brasil, reforçando que “a falta de saneamento e habitação é condição insalubre de vida que só piora a situação e agrava a doença”. Ele garantiu que as obras previstas pelo PAC da Saúde contribuirão para a melhoria de vida da população e diminuirão a incidência de doenças como a tuberculose nas comunidades beneficiadas.
Causou impacto a revelação de que ele sentiu, “na própria pele, como paciente”, o estigma e o preconceito que a doença carrega. Temporão contou que teve tuberculose na adolescência e por isso sabe exatamente quais são as dificuldades que enfrentam os pacientes durante o tratamento. “Se diante de 800 pessoas ele admite que teve tuberculose, a coisa é diferente”, disse Rita Smith, coordenadora do Grupo de Apoio a Ex-Pacientes, Pacientes e Amigos do Combate à Tuberculose (Gaexpa), uma das entidades organizadoras do evento na favela carioca da Rocinha, que concentra altos índices da doença. A ativista pediu a Temporão mais investimento em pesquisa, auxílio logístico a pacientes em tratamento, incentivo a ex-pacientes para que se unam à causa, ampliação da estratégia Dots e maior integração entre Estado e comunidade para que se vença o desafio do controle da doença. Para ela, “falta vontade política” e humanização no tratamento: “O paciente é visto apenas como um pulmão”.
O Fundo Global, ONG que financia ações de combate à Aids, à tuberculose e à malária em vários países, destinou ao Brasil US$ 27 milhões, a serem aplicados até 2012 no projeto Fundo Global Tuberculose-Brasil. A iniciativa reúne 28 instituições comprometidas com o enfrentamento da doença em 57 municípios, nas regiões metropolitanas de Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Recife, Fortaleza, São Luís, Manaus e Belém, além da Baixada Santista. A entidade, que promoveu o seminário em São Paulo, lançou no evento da Rocinha a campanha Brasil livre da tuberculose e, entre outras ações, vai capacitar quase 3 mil profissionais em convênio com o programa de Educação a Distância da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp) da Fiocruz.
“Mancha no pulmão”
A doença é temida, segundo a historiadora e sanitarista Angela de Araujo Pôrto, “por ser a expressão de algo que é socialmente digno de censura, bem como por representar o estágio último de miséria humana”. Em artigo na mesma Revista de Saúde Pública — intitulado Representações sociais da tuberculose: estigma e preconceito —, a pesquisadora da Casa de Oswaldo Cruz explica que a idéia do “doente com uma mancha no pulmão” persiste no imaginário social, o que traz entraves ao controle da doença, seja por dificultar a inserção social do paciente — e sua adesão ao tratamento —, seja por contribuir “na descrença da possibilidade de cura”.
De fato, não é à toa que o movimento social de combate à doença tem como meta prioritária a disseminação de informações. Em informe distribuído à imprensa, o psicólogo Carlos Basília, secretário-executivo do Fórum da Parceria Brasileira Contra a Tuberculose e integrante do Fórum ONGsTB-RJ, reforça: já que as pessoas não conhecem os sintomas iniciais da tuberculose, só procuram os serviços de saúde depois que estes se agravam.
Ainda na RSP, Ézio Távora dos Santos Filho e Zaïra Machado dos Santos Gomes, representantes da coordenação brasileira do Fundo Global, dizem acreditar que a política de enfrentamento do governo federal tem sido mais “consistente e coerente” em relação à tuberculose, já que inclui a sociedade civil em suas ações. No artigo Estratégias de controle da tuberculose no Brasil: articulação e participação da sociedade civil, os dois ativistas escrevem que “a ausência de monitoramento das políticas públicas em TB por parte da sociedade civil favorecia a morosidade, a falta de transparência e a ineficiência das ações e políticas governamentais, em sua plenitude”, e destacam como positivas as atividades de capacitação das organizações sociais que lutam contra a doença.
No entanto, os pesquisadores alertam: “Não se deve esperar que a resposta comunitária no controle da tuberculose seja gerada espontaneamente”, em função da “situação de carência financeira da maioria afetada pelo problema, sua baixa escolaridade e do reduzido poder de articulação, quando não dentro de organizações de defesa dos direitos”.
Há luz no fim do túnel? O número de casos novos per capita parece estar caindo globalmente desde 2003, informou o relatório 2008 da OMS sobre tuberculose: em todas as regiões, salvo a Europa, as taxas estão relativamente estáveis. Se esta tendência se mantiver, previu o relatório, a Meta do Milênio nº 6 será alcançada antes do prazo. Já segundo os objetivos da Estratégia Stop TB da OMS, prosseguia o documento, quatro continentes trilham o caminho de redução da prevalência e da mortalidade. As exceções: África e Europa, devido ao alto crescimento desses índices nos anos 1990.
Os recursos disponíveis para controle da tuberculose subiram de US$ 1 bilhão em 2002 para US$ 3,3 bilhões em 2008 nos 90 países que detêm 91% dos casos, festejou a OMS, embora ressalvando que o melhor seria dispor de US$ 1 bilhão a mais. O pior: esses mesmos países informaram perda orçamentária, em seus programas de combate à doença, de US$ 385 milhões para este ano. Dos 22 países do ranking da tuberculose, somente 5 não reportaram perda de recursos.
“Tratando-se de uma enfermidade que nos assola com a teimosia inexorável de uma endemia que não tem paradeiro, nós nos achamos na mesma lamentável contingência dos nossos antepassados, lutando tanto ou mais do que eles por um lado com a indiferença pública, por outro com a ineficácia ou mesmo ausência dos meios aconselhados para preveni-la ou debelá-la”. O trecho acima está no discurso do médico Júlio de Moura proferido no 2º Congresso Brasileiro de Medicina e Cirurgia — em 1889. Recuperado pela pesquisadora Dilene Raimundo do Nascimento em As pestes do século 20 — Tuberculose e Aids no Brasil, uma história comparada, revela que a preocupação com a doença não é recente. Mais de 100 anos depois, mesmo com tratamento de comprovada eficácia, a tuberculose é reconhecida como emergência global pela Organização Mundial da Saúde (OMS) desde 1993, por ser a maior causa de morte de adultos por doença infecciosa.
Propaganda da Liga Brasileira Contra a Tuberculose, fundada em 1912
Ela integra o rol das “doenças negligenciadas”, ainda que um terço da população mundial — cerca de 2 bilhões de pessoas — esteja infectado pelo bacilo de Koch, seu agente causador, o que representa 100 milhões de casos registrados por ano em todo o planeta. A OMS alerta: 8 milhões desenvolverão a doença (cerca de 22 mil por dia) e 2 milhões morrerão a cada ano (350 mil, associados à contaminação pelo HIV, vírus causador da Aids).
A cada 15 segundos, uma pessoa morre vítima da doença, garantiu Dráurio Barreira, coordenador do Programa Nacional de Controle da Tuberculose, do Ministério da Saúde (PNCT/MS), em sua exposição no seminário Tuberculose e comunicadores, que reuniu no fim de fevereiro jornalistas de todo o país no Hotel Pergamon, em São Paulo. A iniciativa visava sensibilizar os profissionais da imprensa, que dão grande visibilidade à Aids e à dengue, para o problema da tuberculose, relacionada diretamente às precárias condições de vida da população num país responsável por 35% do total de casos nas Américas. “A tuberculose é uma doença social, de má qualidade de vida”, alertou Dráurio aos jornalistas, lembrando que não é possível esperar-se a solução do problema da pobreza para resolver o problema da tuberculose”.
Em sua apresentação, ele informou que o Brasil ocupa a 16º posição na lista dos 22 países responsáveis por 80% do total de casos de tuberculose no mundo, o único das Américas a figurar neste ranking, liderado por Índia, China, Indonésia, África do Sul e Nigéria. Não sem a discordância do Ministério da Saúde, que considera equivocado o critério do número de casos aplicado pela OMS: o país estaria pagando o preço de ter a segunda maior população do continente. Se o critério fosse incidência, o Brasil estaria na 97ª posição, argumentam os gestores.
De qualquer modo, estima-se uma prevalência de 50 milhões de infectados no país, cerca de 111 mil casos novos e 6 mil óbitos anuais, com ênfase em 315 dos 5.564 municípios brasileiros, que concentram 70% dos casos. Segundo Dráurio, no Brasil a tuberculose é a nona causa de internações causadas por doenças infecciosas (DI), a sétima em gastos com internações no SUS e a quarta causadora de mortes (entre as DI). O Rio de Janeiro é o estado que concentra o maior número de casos, com média de 12 mil por ano e incidência de 85 doentes para cada 100 mil habitantes — mais que o dobro da média nacional, que é de 40,8 casos por 100 mil. Os números explicam por que a doença é prioridade do governo brasileiro desde 2003.
Novos complicadores
Acrescente-se a isso a chegada, nos últimos anos, de novos complicadores: a tuberculose na infância, de difícil detecção — em 2000, a OMS estimava a incidência no grupo de 0 a 14 anos, no mundo, em 1 milhão de casos, ou 10% do total; a forma multirresistente da doença, que já atinge 500 mil pessoas anualmente — segundo a OMS divulgou em fevereiro, 90 mil pacientes foram pesquisados em 81 países, e em 45 deles, como Armênia e Estônia, foi detectada variante virtualmente intratável da tuberculose; ou ainda a dupla complexidade da associação tuberculose e infecção pelo HIV.
Diante de tantos desafios, pelo menos nas intenções a “indiferença pública” percebida no século 19 não é mais a realidade no Brasil de 2008. O Programa Nacional de Controle da Tuberculose (PNCT), criado há 30 anos, busca detectar 70% dos casos estimados e curá-los em 85%, como resposta à Meta do Milênio nº 6, da ONU, de redução em 50% do número de novos casos até 2015. Atualmente, o ministério calcula ter alcançado 70% de detecção, enquanto a cura estaria em 77%. O governo criou força-tarefa de consultores para estados e municípios no esforço de reduzir à metade o número de óbitos até 2010 e antecipar o cumprimento da meta.
A prática, porém, é diferente, num país de orçamentos sempre insuficientes para a área da saúde. Em 2004, o governo federal empenhou no controle da tuberculose R$ 35,1 milhões dos R$ 40,3 previstos na lei orçamentária, assim mesmo em conjunto com ações contra a hanseníase. Antes, em 2003, dos R$ 34,3 milhões previstos em lei apenas para a tuberculose, empenhou R$ 30,2 milhões. E pode ter sido menos. Em artigo publicado na edição suplementar de setembro de 2007 da Revista de Saúde Pública da USP, dedicada à doença, Joseney Santos, ex-coordenador do PNCT/MS, afirma que entre 2004 e 2007 o governo destinou R$ 20 milhões às ações do programa. Em fevereiro deste ano, comunicado do Fórum ONGsTB-RJ denunciava o prejuízo causado à saúde pela extinção da CPMF: “Depois não compreendemos por que a tuberculose — uma doença que tem cura — mata 5 mil brasileiros todos os anos”.
Na solenidade do Dia Mundial de Luta contra a Tuberculose (24/3), o ministro José Gomes Temporão defendeu a conscientização da população como um dos meios para a redução dos índices da doença no Brasil, reforçando que “a falta de saneamento e habitação é condição insalubre de vida que só piora a situação e agrava a doença”. Ele garantiu que as obras previstas pelo PAC da Saúde contribuirão para a melhoria de vida da população e diminuirão a incidência de doenças como a tuberculose nas comunidades beneficiadas.
Causou impacto a revelação de que ele sentiu, “na própria pele, como paciente”, o estigma e o preconceito que a doença carrega. Temporão contou que teve tuberculose na adolescência e por isso sabe exatamente quais são as dificuldades que enfrentam os pacientes durante o tratamento. “Se diante de 800 pessoas ele admite que teve tuberculose, a coisa é diferente”, disse Rita Smith, coordenadora do Grupo de Apoio a Ex-Pacientes, Pacientes e Amigos do Combate à Tuberculose (Gaexpa), uma das entidades organizadoras do evento na favela carioca da Rocinha, que concentra altos índices da doença. A ativista pediu a Temporão mais investimento em pesquisa, auxílio logístico a pacientes em tratamento, incentivo a ex-pacientes para que se unam à causa, ampliação da estratégia Dots e maior integração entre Estado e comunidade para que se vença o desafio do controle da doença. Para ela, “falta vontade política” e humanização no tratamento: “O paciente é visto apenas como um pulmão”.
O Fundo Global, ONG que financia ações de combate à Aids, à tuberculose e à malária em vários países, destinou ao Brasil US$ 27 milhões, a serem aplicados até 2012 no projeto Fundo Global Tuberculose-Brasil. A iniciativa reúne 28 instituições comprometidas com o enfrentamento da doença em 57 municípios, nas regiões metropolitanas de Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Recife, Fortaleza, São Luís, Manaus e Belém, além da Baixada Santista. A entidade, que promoveu o seminário em São Paulo, lançou no evento da Rocinha a campanha Brasil livre da tuberculose e, entre outras ações, vai capacitar quase 3 mil profissionais em convênio com o programa de Educação a Distância da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp) da Fiocruz.
“Mancha no pulmão”
A doença é temida, segundo a historiadora e sanitarista Angela de Araujo Pôrto, “por ser a expressão de algo que é socialmente digno de censura, bem como por representar o estágio último de miséria humana”. Em artigo na mesma Revista de Saúde Pública — intitulado Representações sociais da tuberculose: estigma e preconceito —, a pesquisadora da Casa de Oswaldo Cruz explica que a idéia do “doente com uma mancha no pulmão” persiste no imaginário social, o que traz entraves ao controle da doença, seja por dificultar a inserção social do paciente — e sua adesão ao tratamento —, seja por contribuir “na descrença da possibilidade de cura”.
De fato, não é à toa que o movimento social de combate à doença tem como meta prioritária a disseminação de informações. Em informe distribuído à imprensa, o psicólogo Carlos Basília, secretário-executivo do Fórum da Parceria Brasileira Contra a Tuberculose e integrante do Fórum ONGsTB-RJ, reforça: já que as pessoas não conhecem os sintomas iniciais da tuberculose, só procuram os serviços de saúde depois que estes se agravam.
Ainda na RSP, Ézio Távora dos Santos Filho e Zaïra Machado dos Santos Gomes, representantes da coordenação brasileira do Fundo Global, dizem acreditar que a política de enfrentamento do governo federal tem sido mais “consistente e coerente” em relação à tuberculose, já que inclui a sociedade civil em suas ações. No artigo Estratégias de controle da tuberculose no Brasil: articulação e participação da sociedade civil, os dois ativistas escrevem que “a ausência de monitoramento das políticas públicas em TB por parte da sociedade civil favorecia a morosidade, a falta de transparência e a ineficiência das ações e políticas governamentais, em sua plenitude”, e destacam como positivas as atividades de capacitação das organizações sociais que lutam contra a doença.
No entanto, os pesquisadores alertam: “Não se deve esperar que a resposta comunitária no controle da tuberculose seja gerada espontaneamente”, em função da “situação de carência financeira da maioria afetada pelo problema, sua baixa escolaridade e do reduzido poder de articulação, quando não dentro de organizações de defesa dos direitos”.
Há luz no fim do túnel? O número de casos novos per capita parece estar caindo globalmente desde 2003, informou o relatório 2008 da OMS sobre tuberculose: em todas as regiões, salvo a Europa, as taxas estão relativamente estáveis. Se esta tendência se mantiver, previu o relatório, a Meta do Milênio nº 6 será alcançada antes do prazo. Já segundo os objetivos da Estratégia Stop TB da OMS, prosseguia o documento, quatro continentes trilham o caminho de redução da prevalência e da mortalidade. As exceções: África e Europa, devido ao alto crescimento desses índices nos anos 1990.
Os recursos disponíveis para controle da tuberculose subiram de US$ 1 bilhão em 2002 para US$ 3,3 bilhões em 2008 nos 90 países que detêm 91% dos casos, festejou a OMS, embora ressalvando que o melhor seria dispor de US$ 1 bilhão a mais. O pior: esses mesmos países informaram perda orçamentária, em seus programas de combate à doença, de US$ 385 milhões para este ano. Dos 22 países do ranking da tuberculose, somente 5 não reportaram perda de recursos.
* Esta reportagem foi originalmente publicada na revista Radis, da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp) da Fiocruz