Comunicação de ações sociais deve focar impacto comunitário
Luis Henrique Nascimento, fundador da Metara Comunicação, agência que trabalha nas áreas de responsabilidade socioambiental, direitos humanos e políticas públicas, nos fala sobre o papel das estratégias de comunicação para a construção de processos de desenvolvimento sustentáveis e aponta a ética e a contextualização das notícias como desafios para a comunicação socioambiental no Brasil. Luis Henrique também explica o que é e como funciona o marketing de causa.
Mobilizadores Coep - O que é a Metara Comunicação? Quais suas principais ações?
R.: A Metara é uma agência de comunicação que trabalha nas áreas de Responsabilidade Socioambiental, Direitos Humanos ePolíticas Públicas. Nossas ações e produtos estão focados na promoção do desenvolvimento humano sustentável através das ferramentas da comunicação e do marketing social. Fazemos isso através da criação, planejamento e implementação, seja do relacionamento comunitário, ou entre organizações da sociedade civil, governamentais ou privadas, além de comunicação institucional, marketing de causa, comunicação visual e internet. Atuando neste segmento há sete anos, a Metara Comunicação já divulgou seus trabalhos em todo o Brasil e em mais de 15 países, abordando temas como eqüidade de gêneros, aids, tuberculose, hanseníase, direitos das crianças e adolescentes, diversidade sexual, direito à habitação, refugiados e tráfico de pessoas, dentre outros.
Mobilizadores COEP - Que critério de seleção a Metara utiliza para aceitar realizar uma campanha?
R.: A Metara, em princípio, não tem um critério estabelecido para selecionar a campanha que deseja realizar. Para nós, o fundamental é que o objetivo da campanha seja de interesse público.
Mobilizadores COEP - Como a comunicação pode ajudar a promover o desenvolvimento socioambiental?
R.: Fala-se muito em sustentabilidade, que é a busca do equilíbrio da atividade humana em si e em relação ao meio ambiente. Para que todos saibam que esse equilíbrio está em risco é preciso partilhar essa informação, fazer soar a sirene. Além disso, é preciso informar que é possível reverter o quadro, apontar as soluções, estimular a mudança de hábitos e comportamentos. Essa é a tarefa da comunicação na busca de processos sustentáveis. É preciso conscientizar as pessoas e as empresas de que, para continuarem existindo, precisamos investir nas pessoas, ter uma atitude mais inteligente na produção e no consumo e repor o que tiramos do planeta. Mas, além de desenvolver produtos e campanhas, a comunicação tem que atuar na promoção do diálogo entre as partes envolvidas. Cada vez mais as empresas precisam de licenciamento social para continuar atuando. Esse processo pode e deve trazer benefícios efetivos para a sociedade e o meio ambiente. A comunicação está aí para dar voz a quem não tem, para provocar e também para ser a ponte desse diálogo necessário.
Mobilizadores COEP - Vivemos uma época de “consumificação” da cidadania. Valoriza-se de maneira exagerada o papel do consumo como expressão do cidadão. Como a Metara lida com esse contra-senso?
R.: Essa é uma pergunta muito interessante e complexa. Por um lado, posso concordar que haja interesse de algumas corporações (e mesmo de alguns governos) para que a cidadania se associe ao consumo ou se torne possível apenas para os que consomem. Mas também posso ver mais um canal de participação e pressão, sem a diminuição das outras formas de mobilização social. Inclusive, vendo-as influenciar o consumo. O guia do consumidor produzido pelo Greenpeace é um bom exemplo disso, pois informa ao consumidor quais são as empresas que fabricam produtos transgênicos. Ao informar esse fato, a escolha no ato da compra passa a ser de responsabilidade do consumidor. Todas essas relações devem ser consideradas desde a fase de planejamento da comunicação.
Mobilizadores COEP - Muitas empresas são acusadas de utilizarem técnicas de marketing social para alterar a percepção do consumidor em favor de empresas que não atuam, de fato, de maneira responsável. O que você pensa a esse respeito?
R.: É fato que a questão social tem cada vez mais redefinido as relações comerciais; as pessoas querem comprar produtos de empresas que não degradem o meio ambiente e que não utilizam trabalho escravo, por exemplo. Em meio a isso, lamentavelmente, o marketing social tem se tornado uma ferramenta vulgarizada e, nesse contexto, pode ganhar status de vilão aos olhos de muitos. As empresas têm sido forçadas a se reconhecer como co-responsáveis pela questão socioambiental na sua área de influência, o que repercute fortemente nas suas demandas por comunicação e relacionamento. Quando de fato há responsabilidade, isso é bom para todos. Algumas organizações entenderam a seriedade com que esse relacionamento deve ser levado e que esse processo é incessante. Porém, acho que há empresas perdidas nessa mudança cultural, social e econômica, e vêem a sustentabilidade apenas como mais um diferencial de marketing em relação à concorrência. Uma pesquisa recente do Ibope revelou que 46% dos brasileiros entrevistados acham que as ações de responsabilidade social e ambiental constituem apenas uma estratégia de marketing. Estas empresas perigam ter sua reputação maculada, e cada vez mais o consumidor não quer se relacionar e nem comprar produtos de uma empresa cujo discurso não confere com a realidade. O consumidor, cada vez mais atento, vem exigindo essa regra. E a competição entre as empresas por espaços de mercado também contribui para a adesão a esses princípios. Quem não a levar a sério ficará de fora.
Mobilizadores COEP - A partir de sua experiência, o que apontaria como os principais desafios para a comunicação socioambiental no Brasil?
R.: Ética e contextualização. Anunciar uma ação social realizada a partir do investimento social privado, valorizando mais o impacto social causado em vez do valor agregado para a imagem da empresa investidora é um exemplo. Tornar as ações sociais em pauta relevantes para a imprensa, sem esbarrar nos interesses das organizações que investem na ação social; promover uma real mobilização e transformação no comportamento da sociedade quanto aos temas propostos e debatidos; e, o mais importante, promover o diálogo entre os atores envolvidos com essas questões.
Mobilizadores COEP - O que é o marketing relacionado à causa? De que estratégias se utiliza?
R.: Seu objetivo é utilizar as ferramentas de marketing não em função da promoção de um produto ou serviço, mas de uma causa pública. Pode ser a promoção ou defesa de direitos, uma denúncia ou ter finalidade educativa.
O Marketing de Causa visa gerar valor, alinhando as estratégias de marketing da empresa ou da organização da sociedade civil com as necessidades da sociedade, trazendo benefícios para a causa e para a marca. Possibilita às organizações ampliarem a comunicação da causa e da sua missão, mas também pode viabilizar a garantia da auto-sustentação financeira de seus projetos.
Nos últimos anos, a Metara se especializou neste tipo de ação, principalmente por meio dos cartões-postais comerciais (midia cards, distribuídos gratuitamente em bares, cinemas e restaurantes). Esses postais vêm com uma forte e criativa imagem-conceito na frente, um texto curto e instigante atrás, dirigindo o leitor ao site da organização promotora – onde ele encontra mais informações sobre o tema – e, muitas vezes, é pré-endereçado a quem a ação pretende denunciar ou cobrar alguma resposta, de forma que o cidadão possa dirigir-se diretamente a ele. Para se ter uma idéia, essa ação aumenta em média 25% os acessos ao site dirigido e pode obter o envio de até 10% dos postais impressos! Associados a um trabalho de assessoria de imprensa, os postais quase sempre se desdobraram em matérias na grande imprensa. A Metara fez para o Instituto Brasileiro de Inovações e Saúde Social o postal “Soldados nunca mais”, que gerou matérias para revista Veja e os jornais O Globo e o Dia.
Mobilizadores COEP - De que forma projetos na área social podem se tornar ações de comunicação?
R.:Acho que existem dois públicos para isso. Como já foi dito, o mercado hoje exige que as empresas tenham boa reputação com relação a seus públicos interessados: seja a comunidade ao seu redor, seus consumidores, fornecedores, o governo, seus funcionários etc. Os projetos sociais permitem às organizações estabelecerem relacionamento com esses diferentes públicos. E são as estratégias de comunicação que possibilitam esse diálogo. Já, no caso das ONGs, está demonstrado que ações do tipo IECs (informação, educação e comunicação) tendem a ser mais eficazes do que as dinâmicas convencionais, sobretudo quando associadas à participação do público-alvo. A Metara trabalha basicamente com duas metodologias.
A primeira é a imersão interna nas causas de seus clientes. Por meio de palestras, dinâmicas de grupo ou jogos, mobilizamos toda a equipe para conhecer o objeto de trabalho, o cliente e o público a ser atingido. A idéia é formar uma equipe profundamente inteirada e envolvida com o projeto e seus objetivos. Externamente, tentamos fundamentar o trabalho na participação do público envolvido. Para nós, o processo comunicativo que se entenda como processo educativo e empoderador identifica, estimula e articula os atores sociais destinatários da mensagem para que pelo menos influam, mas que preferencialmente se apoderem da intenção, do processo criativo/educativo, do desenvolvimento das ações e seus resultados. É, por isso, parte de um processo que entende a comunicação como recurso de auto-reconhecimento, autopoder e, portanto, de emancipação. Nem sempre todo esse modelo é aplicável, seja pelo tempo ou recursos disponíveis. Mas, sempre que possível, grupos focais e testagens são aplicados antes e durante o desenvolvimento do trabalho.
Mobilizadores COEP - Cite algumas das principais campanhas desenvolvidas pela Metara e explique suas principais características e diferenciais.
R.: Nosso trabalho mais recente é a campanha nacional “Brasil Livre da Tuberculose”, do Fundo Global Tuberculose Brasil e que foi adotada também pelo Ministério da Saúde. Seu maior diferencial foi a disponibilização das matrizes de reprodução das peças de comunicação (cartazes, folderes, spots e filmes, entre outros), num processo logístico complexo, que envolveu a distribuição de três mil kits nas 57 cidades que concentram mais casos de tuberculose. Todo o material também foi disponibilizado no site da organização em formatos que viabilizam desde a impressão em gráfica à reprodução mais caseira.
Em 2007, desenvolvemos para o Promundo a rádio-novela “Entre Nós”, sobre eqüidade de gêneros para jovens de comunidades populares. Esse material foi implementado junto com os rapazes e moças divididos em grupos de trabalho semelhantes à estrutura de uma agência de comunicação, em que, sob a nossa supervisão e do cliente, criaram o roteiro, testaram, gravaram e distribuíram a novela em escolas, rádios comunitárias, salões de beleza e bailes. Também nesse ano desenvolvemos a campanha do Dia Mundial do Refugiado.
Um dos nossos produtos mais bem-sucedidos têm sido as histórias em quadrinhos. Servem para adultos e jovens, enredam e tornam mais fácil e interessante a assimilação de informações. Com as HQs, já tratamos de assuntos delicados e interessantes como profissionais do sexo, jovens em conflito com a lei, tuberculose, hanseníase e mortalidade materna. Um dos casos que gostamos mais foi o postal que fizemos em 2005 sobre tráfico de seres humanos. Ele foi feito no formato dessas etiquetas que se amarram nas malas, com barbante e tudo, comparando a pessoa traficada a um objeto. Conseguimos um retorno no site de 67%, mídia espontânea, e foi considerado um dos melhores postais do ano, concorrendo ao prêmio internacional da categoria.
Entrevista concedida à: Renata Olivieri
Edição: Eliane Araujo
Esperamos que tenham gostado da entrevista. Lembramos que o espaço abaixo é destinado a comentários. O entrevistado não se compromete a responder as perguntas aqui postadas.
Fonte:
Mobilizadores COEP
Autor:
Renata Olivieri
Data:
12/5/2008