20/05/2008

Comunicação de ações sociais deve focar impacto comunitário

Comunicação de ações sociais deve focar impacto comunitário
Luis Henrique Nascimento, fundador da Metara Comunicação, agência que trabalha nas áreas de responsabilidade socioambiental, direitos humanos e políticas públicas, nos fala sobre o papel das estratégias de comunicação para a construção de processos de desenvolvimento sustentáveis e aponta a ética e a contextualização das notícias como desafios para a comunicação socioambiental no Brasil. Luis Henrique também explica o que é e como funciona o marketing de causa.
Mobilizadores Coep - O que é a Metara Comunicação? Quais suas principais ações?
R.: A Metara é uma agência de comunicação que trabalha nas áreas de Responsabilidade Socioambiental, Direitos Humanos ePolíticas Públicas. Nossas ações e produtos estão focados na promoção do desenvolvimento humano sustentável através das ferramentas da comunicação e do marketing social. Fazemos isso através da criação, planejamento e implementação, seja do relacionamento comunitário, ou entre organizações da sociedade civil, governamentais ou privadas, além de comunicação institucional, marketing de causa, comunicação visual e internet. Atuando neste segmento há sete anos, a Metara Comunicação já divulgou seus trabalhos em todo o Brasil e em mais de 15 países, abordando temas como eqüidade de gêneros, aids, tuberculose, hanseníase, direitos das crianças e adolescentes, diversidade sexual, direito à habitação, refugiados e tráfico de pessoas, dentre outros.
Mobilizadores COEP - Que critério de seleção a Metara utiliza para aceitar realizar uma campanha?
R.: A Metara, em princípio, não tem um critério estabelecido para selecionar a campanha que deseja realizar. Para nós, o fundamental é que o objetivo da campanha seja de interesse público.
Mobilizadores COEP - Como a comunicação pode ajudar a promover o desenvolvimento socioambiental?
R.: Fala-se muito em sustentabilidade, que é a busca do equilíbrio da atividade humana em si e em relação ao meio ambiente. Para que todos saibam que esse equilíbrio está em risco é preciso partilhar essa informação, fazer soar a sirene. Além disso, é preciso informar que é possível reverter o quadro, apontar as soluções, estimular a mudança de hábitos e comportamentos. Essa é a tarefa da comunicação na busca de processos sustentáveis. É preciso conscientizar as pessoas e as empresas de que, para continuarem existindo, precisamos investir nas pessoas, ter uma atitude mais inteligente na produção e no consumo e repor o que tiramos do planeta. Mas, além de desenvolver produtos e campanhas, a comunicação tem que atuar na promoção do diálogo entre as partes envolvidas. Cada vez mais as empresas precisam de licenciamento social para continuar atuando. Esse processo pode e deve trazer benefícios efetivos para a sociedade e o meio ambiente. A comunicação está aí para dar voz a quem não tem, para provocar e também para ser a ponte desse diálogo necessário.
Mobilizadores COEP - Vivemos uma época de “consumificação” da cidadania. Valoriza-se de maneira exagerada o papel do consumo como expressão do cidadão. Como a Metara lida com esse contra-senso?
R.: Essa é uma pergunta muito interessante e complexa. Por um lado, posso concordar que haja interesse de algumas corporações (e mesmo de alguns governos) para que a cidadania se associe ao consumo ou se torne possível apenas para os que consomem. Mas também posso ver mais um canal de participação e pressão, sem a diminuição das outras formas de mobilização social. Inclusive, vendo-as influenciar o consumo. O guia do consumidor produzido pelo Greenpeace é um bom exemplo disso, pois informa ao consumidor quais são as empresas que fabricam produtos transgênicos. Ao informar esse fato, a escolha no ato da compra passa a ser de responsabilidade do consumidor. Todas essas relações devem ser consideradas desde a fase de planejamento da comunicação.
Mobilizadores COEP - Muitas empresas são acusadas de utilizarem técnicas de marketing social para alterar a percepção do consumidor em favor de empresas que não atuam, de fato, de maneira responsável. O que você pensa a esse respeito?
R.: É fato que a questão social tem cada vez mais redefinido as relações comerciais; as pessoas querem comprar produtos de empresas que não degradem o meio ambiente e que não utilizam trabalho escravo, por exemplo. Em meio a isso, lamentavelmente, o marketing social tem se tornado uma ferramenta vulgarizada e, nesse contexto, pode ganhar status de vilão aos olhos de muitos. As empresas têm sido forçadas a se reconhecer como co-responsáveis pela questão socioambiental na sua área de influência, o que repercute fortemente nas suas demandas por comunicação e relacionamento. Quando de fato há responsabilidade, isso é bom para todos. Algumas organizações entenderam a seriedade com que esse relacionamento deve ser levado e que esse processo é incessante. Porém, acho que há empresas perdidas nessa mudança cultural, social e econômica, e vêem a sustentabilidade apenas como mais um diferencial de marketing em relação à concorrência. Uma pesquisa recente do Ibope revelou que 46% dos brasileiros entrevistados acham que as ações de responsabilidade social e ambiental constituem apenas uma estratégia de marketing. Estas empresas perigam ter sua reputação maculada, e cada vez mais o consumidor não quer se relacionar e nem comprar produtos de uma empresa cujo discurso não confere com a realidade. O consumidor, cada vez mais atento, vem exigindo essa regra. E a competição entre as empresas por espaços de mercado também contribui para a adesão a esses princípios. Quem não a levar a sério ficará de fora.
Mobilizadores COEP - A partir de sua experiência, o que apontaria como os principais desafios para a comunicação socioambiental no Brasil?
R.: Ética e contextualização. Anunciar uma ação social realizada a partir do investimento social privado, valorizando mais o impacto social causado em vez do valor agregado para a imagem da empresa investidora é um exemplo. Tornar as ações sociais em pauta relevantes para a imprensa, sem esbarrar nos interesses das organizações que investem na ação social; promover uma real mobilização e transformação no comportamento da sociedade quanto aos temas propostos e debatidos; e, o mais importante, promover o diálogo entre os atores envolvidos com essas questões.
Mobilizadores COEP - O que é o marketing relacionado à causa? De que estratégias se utiliza?
R.: Seu objetivo é utilizar as ferramentas de marketing não em função da promoção de um produto ou serviço, mas de uma causa pública. Pode ser a promoção ou defesa de direitos, uma denúncia ou ter finalidade educativa.
O Marketing de Causa visa gerar valor, alinhando as estratégias de marketing da empresa ou da organização da sociedade civil com as necessidades da sociedade, trazendo benefícios para a causa e para a marca. Possibilita às organizações ampliarem a comunicação da causa e da sua missão, mas também pode viabilizar a garantia da auto-sustentação financeira de seus projetos.
Nos últimos anos, a Metara se especializou neste tipo de ação, principalmente por meio dos cartões-postais comerciais (midia cards, distribuídos gratuitamente em bares, cinemas e restaurantes). Esses postais vêm com uma forte e criativa imagem-conceito na frente, um texto curto e instigante atrás, dirigindo o leitor ao site da organização promotora – onde ele encontra mais informações sobre o tema – e, muitas vezes, é pré-endereçado a quem a ação pretende denunciar ou cobrar alguma resposta, de forma que o cidadão possa dirigir-se diretamente a ele. Para se ter uma idéia, essa ação aumenta em média 25% os acessos ao site dirigido e pode obter o envio de até 10% dos postais impressos! Associados a um trabalho de assessoria de imprensa, os postais quase sempre se desdobraram em matérias na grande imprensa. A Metara fez para o Instituto Brasileiro de Inovações e Saúde Social o postal “Soldados nunca mais”, que gerou matérias para revista Veja e os jornais O Globo e o Dia.
Mobilizadores COEP - De que forma projetos na área social podem se tornar ações de comunicação?
R.:Acho que existem dois públicos para isso. Como já foi dito, o mercado hoje exige que as empresas tenham boa reputação com relação a seus públicos interessados: seja a comunidade ao seu redor, seus consumidores, fornecedores, o governo, seus funcionários etc. Os projetos sociais permitem às organizações estabelecerem relacionamento com esses diferentes públicos. E são as estratégias de comunicação que possibilitam esse diálogo. Já, no caso das ONGs, está demonstrado que ações do tipo IECs (informação, educação e comunicação) tendem a ser mais eficazes do que as dinâmicas convencionais, sobretudo quando associadas à participação do público-alvo. A Metara trabalha basicamente com duas metodologias.
A primeira é a imersão interna nas causas de seus clientes. Por meio de palestras, dinâmicas de grupo ou jogos, mobilizamos toda a equipe para conhecer o objeto de trabalho, o cliente e o público a ser atingido. A idéia é formar uma equipe profundamente inteirada e envolvida com o projeto e seus objetivos. Externamente, tentamos fundamentar o trabalho na participação do público envolvido. Para nós, o processo comunicativo que se entenda como processo educativo e empoderador identifica, estimula e articula os atores sociais destinatários da mensagem para que pelo menos influam, mas que preferencialmente se apoderem da intenção, do processo criativo/educativo, do desenvolvimento das ações e seus resultados. É, por isso, parte de um processo que entende a comunicação como recurso de auto-reconhecimento, autopoder e, portanto, de emancipação. Nem sempre todo esse modelo é aplicável, seja pelo tempo ou recursos disponíveis. Mas, sempre que possível, grupos focais e testagens são aplicados antes e durante o desenvolvimento do trabalho.
Mobilizadores COEP - Cite algumas das principais campanhas desenvolvidas pela Metara e explique suas principais características e diferenciais.
R.: Nosso trabalho mais recente é a campanha nacional “Brasil Livre da Tuberculose”, do Fundo Global Tuberculose Brasil e que foi adotada também pelo Ministério da Saúde. Seu maior diferencial foi a disponibilização das matrizes de reprodução das peças de comunicação (cartazes, folderes, spots e filmes, entre outros), num processo logístico complexo, que envolveu a distribuição de três mil kits nas 57 cidades que concentram mais casos de tuberculose. Todo o material também foi disponibilizado no site da organização em formatos que viabilizam desde a impressão em gráfica à reprodução mais caseira.
Em 2007, desenvolvemos para o Promundo a rádio-novela “Entre Nós”, sobre eqüidade de gêneros para jovens de comunidades populares. Esse material foi implementado junto com os rapazes e moças divididos em grupos de trabalho semelhantes à estrutura de uma agência de comunicação, em que, sob a nossa supervisão e do cliente, criaram o roteiro, testaram, gravaram e distribuíram a novela em escolas, rádios comunitárias, salões de beleza e bailes. Também nesse ano desenvolvemos a campanha do Dia Mundial do Refugiado.
Um dos nossos produtos mais bem-sucedidos têm sido as histórias em quadrinhos. Servem para adultos e jovens, enredam e tornam mais fácil e interessante a assimilação de informações. Com as HQs, já tratamos de assuntos delicados e interessantes como profissionais do sexo, jovens em conflito com a lei, tuberculose, hanseníase e mortalidade materna. Um dos casos que gostamos mais foi o postal que fizemos em 2005 sobre tráfico de seres humanos. Ele foi feito no formato dessas etiquetas que se amarram nas malas, com barbante e tudo, comparando a pessoa traficada a um objeto. Conseguimos um retorno no site de 67%, mídia espontânea, e foi considerado um dos melhores postais do ano, concorrendo ao prêmio internacional da categoria.
Entrevista concedida à: Renata Olivieri
Edição: Eliane Araujo
Esperamos que tenham gostado da entrevista. Lembramos que o espaço abaixo é destinado a comentários. O entrevistado não se compromete a responder as perguntas aqui postadas.
Fonte:
Mobilizadores COEP
Autor:
Renata Olivieri
Data:
12/5/2008