03/03/2008

Gestão de ONGs

Gestão de ONGs
Voluntariado: como mobilizar este potencial?
Uma jovem com quem trabalho disse-me que tem se sentido, de certa forma, frustrada em quase todos os trabalhos voluntários que vêm realizando. Ela justificou sua frustração acrescentando à sua frase: "Quando você vai trabalhar voluntariamente numa organização, ou lhe pedem para fazer algo muito delimitado..." - e aqui ela fez um gesto, escrevendo no ar um pequeno quadradinho - "...ou para fazer tudo o que eles precisam..." - e, num novo gesto, abriu seus braços como que querendo abraçar o mundo - "...e quando a gente não faz o que esperam, nos acham ingratos!" - agora foi seu rosto que descreveu o gesto, fazendo-se tristonho.

Essa breve conversa me fez pensar: o que será que impede de "dar certo" a ação voluntária nas organizações da sociedade civil? O que, apesar de tantos esforços estarem sendo empreendidos tanto pelas organizações, quanto pelas pessoas e, ainda, pelos diferentes centros de voluntariado espalhados por todo o país, impede que essa ação seja plena de significados?


Ora, os centros de voluntariado têm se esmerado em realizar capacitações para os interessados em atuar como voluntários, buscando desenvolver consciência sobre o significado dessa ação, quer seja no âmbito pessoal ou no âmbito social. Também têm capacitado organizações e seus coordenadores de programas de voluntariado, buscando trazer consciência às organizações quanto à sua responsabilidade frente a esses voluntários e frente às necessidades sociais que atendem.

A ONU - Organização das Nações Unidas - trabalhou arduamente para difundir uma nova visão de responsabilidade cidadã que se consolida através da ação voluntária dos indivíduos, tendo inclusive instituído um ano - o de 2001 - como ano internacional do voluntariado... Muito esforço, conhecimento e recursos de todos os tipos têm sido investidos na busca de se promover a cultura e o valor do trabalho voluntário e qualificá-lo.


Sem dúvida alguma, muita coisa mudou ... Há inúmeros estudos que demonstram a mudança de paradigma que a ação voluntária viveu em nosso país, especialmente nos últimos anos. Vivemos momentos em que a ação voluntária foi uma ação de benemerência, "fruto da iniciativa de homens ricos e damas caridosas" (1), em que assumiu características de militância política e hoje é entendido como expressão de cidadania. Miguel Darcy de Oliveira, analisando essa nova compreensão do trabalho voluntário, acrescenta:
"O voluntariado que nasce deste encontro da solidariedade com a cidadania não substitui o Estado nem se choca com o trabalho remunerado mas exprime, isto sim, a capacidade da sociedade de assumir responsabilidades e de agir por si mesma. No Brasil contemporâneo, voluntariado não é só o trabalho assistencial de apoio aos grupos mais vulneráveis da população. Inclui as múltiplas iniciativas dos cidadãos nas áreas de educação, saúde, cultura, defesa de direitos, meio ambiente, esporte e lazer. O trabalho voluntário é também, cada vez mais, uma via de mão dupla: não só generosidade e doação mas também abertura a novas experiências, oportunidade de aprendizado, prazer de se sentir útil, criação de novos vínculos de pertencimento, afirmação do sentido comunitário." (2)


Dando corpo a essa mudança significativa, muitas ações vêm sendo feitas por inúmeros atores. Só o Centro de Voluntariado de São Paulo, em 2001, realizou 138 palestras de orientação de voluntários, alcançando mais de 17 mil pessoas; 12 seções de orientação para organizações sociais que atingiram 230 instituições, além de 9 cursos dos quais participaram 109 organizações, entre muitas outras atividades (3). Há informações preciosas em inúmeros sites da internet, com acesso gratuito a publicações, orientações, artigos, fóruns (4)...
Mas ainda ressoa em mim a conversa que tive com aquela jovem. O que não está funcionando bem?
Em minha procura por respostas, encontrei o seguinte depoimento, também na internet, como ilustração da razão da existir de um dos centros de voluntariado de nosso país:
"Era uma vez um homem sério. De terno e gravata, caminhava, trabalhava, falava e até sorria sério. Sério como um adulto deve ser. O céu estava cinza, da mesma cor de sua roupa. E se fosse azul, ele nem perceberia. Entrou naquele prédio. Era um hospital. Sentou-se entre as crianças que lá estavam. Falou com elas. Não lhe deram atenção. Brincou com elas. Não sorriram. Contou-lhes, com voz pausada, uma história. Ficaram entediadas. Talvez se usasse aquele avental colorido ... Não deu certo. Quem sabe se com nariz de palhaço ... Nada. Ninguém achou nenhuma graça. Hora de partir. Tropeçou. Caiu com as pernas para o alto. Ridículo.
Escutou então uma sonora gargalhada. E o homem sério daí entendeu que o que lhe faltava era ser comum. Simples. Natural como um tombo. Que não adiantava nada ter uma falsa alegria exterior, se seu coração também não se alegrasse, não sorrisse, não criasse. Ainda no chão, apanhou um livro e começou a contar uma nova história. Acabou contando muitas. Só que desta vez mudou tudo. O príncipe caiu do cavalo. A bruxa teve dor de barriga porque, sem querer, comeu a maçã envenenada. A fada, sambando com os passarinhos, perdeu uma asa. O dragão era corinthiano. Os porquinhos (é claro...) palmeirenses. O lobo mau ficou gago, depois que a vovó deu-lhe uma surra. A madrasta era fanha. Por fim, o Pinóquio e o Gepeto foram libertados da barriga da baleia, por ordem de um juiz corajoso, que não tinha medo de fantasmas, monstros e reis poderosos.
E se não foram felizes para sempre, pelo menos, naquele momento, foram." (5)
Esse depoimento mostrou-se para mim como uma busca, a busca de sentido, de significado, que o voluntário quer dar para sua ação. Independentemente de sua consciente ou inconsciente motivação pessoal - e elas podem ser muitas e bastante diversas - pareceu-me que essa pessoa descrevia uma busca por algo que lhe tornasse pleno, descortinasse novas possibilidades de completude para além daquelas que lhe possibilitam seu trabalho cotidiano, seus relacionamentos familiares e afetivos, ou tudo aquilo que ele representou em seu "terno e gravata e céu cinza".
E as organizações? Não encontrei nenhum depoimento delas. Em meu trabalho tenho a oportunidade de estar envolvida com diferentes organizações e o que mais ouvi, em diversos momentos, foram muitas de suas angústias e incertezas com relação ao trabalho voluntário. Decidi investigar mais a fundo.
Perguntei a um amigo que trabalha numa dessas organizações e de quem já ouvira o que ele chama de "histórias de insucesso", como é que decidiram e fizeram para ter voluntários trabalhando com eles. O que ouvi dele, no entanto, foi um relato repleto de sucessos, calcados em ações bastante adequadas. Ele seguira o que é recomendado nas melhores publicações de planejamento e gerenciamento de programas de voluntários (6): uma análise da relevância, importância e necessidade do trabalho a ser realizado; uma tomada de decisão e o estabelecimento de um compromisso interno para a implantação de um programa de voluntariado; a identificação de perfis, atribuições e responsabilidades dos voluntários; um bom recrutamento, deixando claro o tipo de experiência ou habilidade desejada ... Quis ir a fundo em cada uma dessas etapas. Descobri que tanto meu amigo quanto seus colegas na organização tinham clareza quanto à relevância e necessidade do trabalho a ser realizado, daquilo que esperavam como benefício do trabalho voluntário para a população que atendem. Nesse momento, enquanto meu amigo me falava, vi seus olhos se tornarem vibrantes, seus gestos firmes; ele estava "vivo", pleno do sentido do trabalho de sua organização. Na hora em que me disse como recrutavam os voluntários, disse-me que buscavam ser objetivos e dizer claramente que precisavam deste ou daquele tipo de conhecimento, desta ou daquela habilidade.
Num dos sites sobre trabalho voluntário encontrei algo parecido com essa descrição. Numa seção para busca de voluntários, uma organização informou com exatidão o que faz e, com igual precisão, o profissional que buscava para ampliar suas ações. Dizia: "precisamos de 1 Captador de recursos; 1 Técnico de informática; 1 Professor de informática; 1 Assistente serviços gerais; 1 Analista de sistemas / programador; 1 Digitador e 1 Designer gráfico" (7). Era bem isso o que meu amigo tinha feito.
Perguntei-lhe se as pessoas haviam respondido ao recrutamento ao que me informou terem tido um resultado bastante positivo: diversos interessados, com muita competência e habilidade, procuraram a instituição dispostos a realizarem o trabalho que se fazia necessário. Com todos eles foram feitas entrevistas, explicou-se em detalhes o que a organização faz e como, com quem e aonde iriam trabalhar, o que se esperava que fizessem, acordaram-se dias e horários de trabalho, firmaram-se termos de adesão (8) e as pessoas, no dia e horário marcados, chegaram para seu trabalho ... Trabalharam um, dois meses. Depois desligaram-se, alegando distintas dificuldades ou apresentando diferentes justificativas. Nada estava fora do lugar; no entanto, não se conseguira o que se esperava.
Retomei o depoimento do homem que fez rir as crianças com suas histórias cheias de vida. No site onde li a história, diz-se que sua atividade voluntária é a de contador de histórias em um hospital que atende crianças portadoras do HIV/Aids. Não diz se ele decidiu fazer isso por conta própria ou se se engajou num possível programa de voluntários do hospital. Ele pode ter tido orientação do pessoal do hospital sobre como contar suas histórias. De certo teve. O pessoal que foi à organização de meu amigo também teve esse tipo de orientação e igualmente sabia a que ela se dedicava. O depoimento dele mostra que os procedimentos gerenciais são importantes mas, para além disso, algo o havia feito aprender com possíveis erros e persistir.
Num livro que acabei de ganhar, encontro talvez uma pista sobre esse "algo mais". A autora diz:
"Fico pensando em alguém que resolve dedicar algumas horas de sua vida lendo histórias para uma criança desconhecida, deitada numa cama de hospital. Não é o medo que une essas duas pessoas nesse instante. Ambas transitam, cada uma pela sua própria história, dentro do conto. Não se trata de negar ou fugir da dura realidade, do medo ou da impotência. Experimentam a si mesmas e outras possibilidades de existir, além do medo." (9)
"Experimentam a si mesmas e outras possibilidades de existir, além do medo." A mim me parece que ambos - contador de histórias e criança ouvinte - sonham juntos. Vão para um lugar onde há possibilidades, onde experimentam sua integridade, um lugar onde encontram não o que devem, mas o que podem.
Talvez, apenas talvez, aí resida um caminho: sonhar juntos. E sonhar junto é algo muito diferente de ser motivado ou motivar pessoas. Para sonhar junto parece que é preciso que cada um "transite por sua própria história" e construa uma nova história - o sonho - em que todos que sonham juntos tenham possibilidades de existir além do medo, das frustrações e da impotência. Não necessariamente tem que ser o mesmo sonho; talvez possam ser sonhos que se conversem, que se cruzem num determinado ponto, que se complementem...
Para o meu amigo, isso fez sentido. Quem sabe não faz para você, leitor, também?
Embora alguns aspectos do conceito de voluntariado tenham sido abordados até aqui, compreendo que algumas organizações possam tê-lo procurado porque esperavam encontrar mais concretude - o que, afinal, pode ser entendido por voluntariado?
Há diferentes definições para trabalho voluntário, ou para o voluntário propriamente dito, elaboradas por diversas organizações. A sua organização pode ter ou desenvolver uma, própria, que lhe faça mais sentido. Abaixo apresento três definições que podem ser inspiradoras ou norteadoras para o seu caso:
Definição das Nações Unidas:
"O voluntário é o jovem ou o adulto que, devido ao seu interesse pessoal e ao seu espírito cívico, dedica parte de seu tempo, sem remuneração alguma, a diversas formas de atividades, organizadas ou não, de bem estar social ou outros campos..."
Definição da Associação Internacional de Esforços Voluntários (International Association for Volunteer Efforts - IAVE) :
"Trata-se de um serviço comprometido com a sociedade e alicerçado na liberdade de escolha. O voluntariado promove um mundo melhor e torna-se um valor para todas as sociedades".
Definição do Programa Voluntários, do Conselho da Comunidade Solidária:
"O voluntário é o cidadão que, motivado pelos valores de participação e solidariedade, doa seu tempo, trabalho e talento, de maneira espontânea e não remunerada, para causas de interesse social e comunitário".

Sugestões para leitura:
CORULLÓN, Mónica B.G. Voluntários. Programa de estímulo ao trabalho voluntário no Brasil. São Paulo : Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança, 1996.
CORULLÓN, Mónica B.G. e MEDEIROS FILHO, Barnabé. Voluntariado na empresa: gestão eficiente da participação cidadã. São Paulo : Peirópolis, 2002.
DOMENEGHETTI, Ana Maria. Voluntariado: gestão do trabalho voluntário em organizações sem fins lucrativos. São Paulo : Esfera, 2001.
JUNQUEIRA, Luciano Prates, PEREZ, Clotilde. Voluntariado e a gestão das políticas sociais. São Paulo : Futura, 2002.
PAES DE CARVALHO, Cynthia e OLIVEIRA, Miguel Darcy de. Centros de voluntários: transformando necessidades em oportunidades de ação . São Paulo : Programa Voluntários do Conselho da Comunidade Solidária. s/d.
RAMOS, Estela Mara. Guia do voluntariado. São Paulo : Institutição Tertio Milênio, 2001
SCALON, Maria Celi e LANDIM, Leilah. Doações e trabalho voluntário no Brasil. Rio de Janeiro : Sete Letras, 2000.

Links de interesse:
Instituto Brasil Voluntário-www.facaparte.org.br
Programa Voluntários da Comunitas, IBM e TV Globo-www.portaldovoluntario.org.br
Filantropia.org-www.filantropia.org.br
Programa Voluntários-www.programavoluntarios.org.br
Programa dos Voluntários das Nações Unidas do Brasil-www.undp.org.br/unv
Voluntários Candangos-www.voluntarios.org.br
Recife Voluntário-www.voluntario.org.br
Natal Voluntários-www.natalvoluntarios.org.br
Central de Articulação e Promoção do Voluntariado de Minas Gerais-www.voluntarios-mg.org.br
Programa Voluntários de Limeira-www.pvl.org.br
RioVoluntáRio-www.riovoluntario.org.br
Centro de Voluntariado de São Paulo-www.voluntariado.org.br
Centro de Voluntariado de Rio Claro-www.cvrioclaro.org.br
Voluntários do Vale-www.valecidadania.org.br
Centro Voluntários em Ação-www.voluntariosblumenau.org.br
Centro de Ação Voluntária de Curitiba-www.acaovoluntaria.org.br
Fundação Semear-www.fundacaosemear.org.br
Centro Universitário Feevale-www.feevale.br

(1) CORULLÓN, Mónica. Voluntários. Programa de estímulo ao trabalho voluntário no Brasil. São Paulo : Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança, 1996. p. 11
(2) PAES DE CARVALHO, Cynthia e OLIVEIRA, Miguel Darcy de. Centros de voluntários: transformando necessidades em oportunidades de ação . São Paulo : Programa Voluntários do Conselho da Comunidade Solidária. s/d. (disponível em: http://www.portaldovoluntario.org.br/ biblioteca/p_iniciativas/guia_novos_centros.pdf - consulta feita em 08.07.04).
(3) CENTRO DE VOLUNTARIADO DE SÃO PAULO. Relatório de atividades 2001. São Paulo : Centro de Voluntariado de São Paulo. (disponível em http://www.voluntariado.org.br/03/ relatorio2001.ppt - consulta feita em 08.07.04).
(4) Os portais www.portaldovoluntario.org.br, www.facaparte.org.br e www.filantropia.org.br são exemplos daqueles que disponibilizam, em suas bibliotecas virtuais, materiais voltados à organização de trabalhos voluntários em uma instituição e também para as pessoas que se interessam em realizar trabalho voluntário; além de artigos, espaços para debates e outras informações.
(5) Depoimento de Antonio Carlos Malheiros disponível no site www.voluntariado.org.br (consulta feita em 08.06.04).
(6) Um dos melhores textos a esse respeito, que traz reflexões importantes e orientações precisas sobre como planejar e gerenciar programas de voluntários em organizações sociais, pode ser encontrado em http://www.portaldovoluntario.org.br/biblioteca/p_voluntarios/manual_coordenadores.pdf (consulta feita em 08.06.04).
(7) Informação disponível no site www.filantropia.org.br (consulta feita em 08.06.04).
(8) Termo de adesão é o instrumento celebrado entre a organização e o prestador de serviço voluntário em que se esclarece o vínculo não empregatício e voluntário do trabalho realizado. Foi estabelecido pela Lei nº 9.608 de 18/02/1998, a chamada Lei do Serviço Voluntário. Tanto o texto integral dessa Lei quando modelos do Termo de Adesão podem ser encontrados em diversos sites. Um deles é o http://www.voluntarios.com.br/leis.htm (consulta feita em 08.06.04).
(9)MACHADO, Regina. Acordais: fundamentos teórico-poéticos da arte de contar histórias. São Paulo : DCL, 2004., p. 15.