06/03/2008

Brasil condescendente

Brasil condescendente
05/03/08


Relatório de órgão da ONU critica lei antidrogas do País


A atual lei antidrogas do Brasil, válida desde 2006, "pode prejudicar a investigação e o julgamento das atividades ilícitas relacionadas a drogas, e pode dar a entender à opinião pública que o Governo está tratando o narcotráfico com mais indulgência". O Brasil também terá dificuldades para aplicar a nova legislação, que trata o usuário como doente, por falta de estrutura da rede pública. As conclusões fazem parte do relatório produzido pela Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes (Jife), braço judiciário do Escritório das Nações Unidas Contra Drogas e Crime (UNODC). As informações desencadearam uma reação do Governo brasileiro, que refuta parte dos dados.

O documento da Jife, que contém dados sobre as drogas em todos os continentes, foi apresentado ontem pela organização. O toque de "condescendência" da lei brasileira, apontado no levantamento, foi explicado pelo representante regional do UNODC para o Brasil e Cone Sul, Giovanni Quaglia, como falta de ação do Brasil em comparação a outros países, que combinam o tratamento médico do usuário na mesma medida em que ele colabore com a Justiça para ajudar no combate ao crime.

O secretário nacional Antidrogas, Paulo Uchôa, refutou as críticas da entidade ligada à Organização das Nações Unidas (ONU). Ele defendeu que a rede pública de saúde está em preparação para se adequar à lei e que, ao mesmo tempo, irá dispor de uma estrutura de ONGs que poderá dar suporte à demanda de usuários de drogas.

Deficiência comprovada
Se por um lado o titular da Secretaria Nacional Antidrogas (Senad) não concorda com as conclusões do estudo da UNODC, outros integrantes do Governo Federal admitem a falha no processo de tratamento do usuário de drogas. Pedro Gabriel, coordenador da área técnica de saúde mental, álcool e drogas do Ministério da Saúde, concorda que existe "uma lacuna entre a demanda de tratamento e a oferta de serviços", mas afirma que o Brasil vive uma tendência de ampliação da rede de atendimento ao usuário e, talvez, devesse ter sido registrado esse processo".

A falta de estrutura é reconhecida por quem atua na área. "A lei é boa. O quadro de desassistência é escandalosamente dramático, não só no Distrito Federal como no Brasil. A rede pública necessita, de fato, se equipar", diz o promotor Jairo Bisol, que atua aqui em Brasília.

Consumo de drogas
Outro dado apresentado pela Jife é que, ao contrário de estudantes da América do Sul, entre os quais a droga mais consumida é a maconha, a preferência no Brasil seria por substâncias inaláveis (basicamente a cola de sapateiro).

A questão é polêmica, pois a Senad alega que, pela legislação do País, a cola não é uma substância ilícita – portanto, os critérios do relatório divergem dos usados para classificar o que é legal ou ilegal no Brasil. Para a Senad, a maconha continua a ser a droga mais consumida entre os jovens. De acordo com o segundo levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas, divulgado em 2005, 6,1% dos entrevistados disseram já ter usado inalantes, enquanto 8,8% afirmam ter consumido maconha.

"O relatório é uma publicação legítima, mas precisamos de um olhar um pouco crítico em relação ao conteúdo", alfinetou Uchôa.

A Jife leva em conta, entretanto, um estudo do UNODC e da Comissão Interamericana de Controle e Abuso de Drogas, divulgada em 2006, diz que 15,3% dos brasileiros que participaram do levantamento afirmaram ter usado algum tipo de inalante. Isso não significa, no entanto, que também não tenham utilizado maconha no mesmo período. Em segundo lugar, aparece a Colômbia, com um número muito menor (3,5%).

Jornal de Brasília