15/01/2008

Revista Fórum - Edição 57 - Dez 2007

O nosso DNA mais profundo é a esperança.
Por Ana Cristina d'Angelo [Quinta-Feira, 20 de Dezembro de 2007 às 16:42hs]

Aos quase 80 anos de idade – a serem completados em fevereiro próximo – e 40 de moradia fixa em São Félix do Araguaia, extremo norte do Mato Grosso, dom Pedro Casaldáliga não está cansado nem pessimista, ainda que tenha o cuidado de mencionar na entrevista o mal de Parkinson que lhe traz limitações para se locomover e falar. Uma das figuras exponenciais da Teologia da Libertação, o agora bispo emérito de São Félix recorda, nesta entrevista, a sua chegada ao Brasil e também fala de suas lutas pela redistribuição da terra e as causas indígenas no Brasil.
A conversa, que aconteceu na casa de chão batido onde mora, na avenida que leva seu nome na pequena São Félix, Casaldáliga faz uma espécie de balanço das transformações sociais brasileiras, problemas gerados pela globalização, violência e ausência da reforma agrária. Também comenta o pontificado do atual papa, Joseph Ratzinger, que o questionou, em Roma, na década de 1980, por ter inserido novos elementos numa liturgia que optou pelos pobres.
Fórum – Como foi a sua chegada ao país, há quase 40 anos? Dom Pedro Casaldáliga – Havia 600 pessoas em São Félix naquela época. Era uma área nova, que tinha retirantes, imigrantes, em plena ditadura militar. O conflito do nosso trabalho se deu sempre envolvendo posseiros, peões, índios e os donos das fazendas. Sabíamos que a política oficial amparava o latifúndio, como agora o regime oficial ampara o agronegócio. Não havia preparo suficiente para saber o que íamos encontrar. Foi realizado um curso em Petrópolis para formar missionários do exterior. Eram quatro meses para saber a história do país, referências culturais, lemos Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto. Lía¬mos as entrelinhas dos jornais. Nós víamos que não teríamos possibilidade de fazer nenhuma pastoral se não fosse contando com uma equipe. As comunicações eram difíceis. A estrada que levava para Barra do Garças estava começando, as pontes, as pinguelas. Precisávamos descobrir a realidade, ocupar a área com equipes e aí realizar um trabalho educacional, formar e informar.
Fórum – O senhor se sentia preparado para assumir sua missão no país? Casaldáliga – O curso foi providencial para mim. A gente vinha sabendo que estava se expandindo o latifúndio, que as distâncias eram infinitas, que não havia possibilidade de denúncia, de constatação. Por isso, só lancei a Carta Pastoral no dia em que fui sagrado bispo. Se fosse um simples padre, leigo ou leiga, me cortavam o pescoço. A Carta Pastoral de 1971 foi impressa em uma gráfica clandestina comunista em São Paulo. Não havia outros editores para isso, e foi feito secretamente. Vieram vários exemplares em um avião da FAB, porque nesse avião tinha algumas irmãs e uma delas era parente de um oficial da FAB. Então vinha material de missa e, debaixo disso, a Carta Pastoral. Outros exemplares ficaram em São Paulo para serem espalhados.
Fórum – Como foi acolhido um estrangeiro que chegava ao Brasil em 1968, quando se iniciava o período mais duro do regime militar? Casaldáliga – Cheguei no final de janeiro ao Brasil e a São Félix em julho. O povo é muito acessível, muito acolhedor. Eles viram nossa postura, que não tínhamos amizades com ricos, poderosos. Alguns davam depoimentos em condição de sigilo. Inclusive na própria Carta Pastoral está incluído um documento que eu escrevi em 1970 que, dizem, foi o primeiro sobre o trabalho escravo no Brasil. Quando escrevi isso, o núncio, representante do papa, a quem enviei uma cópia, pediu que não publicasse no exterior porque ia criar confusão.
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