O alcoolismo na mulher
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Por Por Monica L. Zilberman (*)
São Paulo, 12 (AE) - Tradicionalmente, o alcoolismo é considerado uma doença masculina. Nas últimas décadas, no entanto, com a entrada da mulher no mercado de trabalho e em profissões antes restritas aos homens, dentre outras mudanças no papel social da mulher, observamos que essa diferença vem diminuindo, especialmente entre os mais jovens. Desse modo, cada vez mais mulheres vem consumindo bebidas alcoólicas.
Ao mesmo tempo, o início do consumo de álcool se dá cada vez mais cedo, sendo que a proporção de meninas que iniciam o consumo de álcool é agora semelhante à proporção de meninos. Isto é preocupante porque na mulher a dependência do álcool e suas conseqüências se desenvolvem mais rapidamente do que entre os homens, estando associada a maior mortalidade.
De acordo com o recém-concluído levantamento sobre os padrões de consumo de álcool na população brasileira, estima-se que 5% das mulheres brasileiras tenham problemas pelo uso nocivo ou dependência de bebidas alcoólicas. Infelizmente, em função do estigma social que recai sobre essas mulheres, apenas uma pequena parcela do total de mulheres que necessitaria de tratamento chega de fato a procurar ajuda.
O estigma é tão grande que mesmo em casos de violência, a sociedade tende a acreditar que as mulheres colaboraram com o ocorrido se estiveram alcoolizadas ou sob o efeito de drogas.
As pesquisas na área têm procurado desvendar características dessa população, identificar abordagens que sejam mais atrativas e tratamentos mais adequados para essa população. Sabemos que as mulheres são mais sensíveis que os homens aos efeitos do álcool. Assim, a concentração de álcool no sangue é maior nas mulheres do que nos homens mesmo quando ambos ingerem a mesma quantidade de álcool por unidade de peso corporal. Isto ocorre porque as mulheres têm menor porcentagem de água corporal do que os homens.
O álcool ingerido é distribuído por toda a água corporal e, como as mulheres têm proporcionalmente menos água, o álcool fica menos diluído, aumentando assim a concentração deste no sangue. Com a idade, as mulheres se tornam ainda mais sensíveis ao álcool, pois a proporção de gordura corpórea aumenta e a de água diminui. Além disso, na mulher, a concentração da enzima álcool desidrogenase no estômago é menor. Isto diminui o metabolismo e aumenta a absorção do álcool ingerido comparativamente aos homens.
Nas mulheres dependentes de álcool, a quantidade desta enzima é ainda menor e o álcool ingerido é absorvido quase completamente. O consumo de álcool durante a gestação é um problema adicional a ser enfrentado, trazendo riscos significativos tanto para a mãe quanto para o bebê. Um dos problemas mais estudados é a síndrome fetal pelo álcool que representa a 3ª causa mais comum de retardo mental, depois da síndrome de Down e da espinha bífida, sendo completamente evitável. Limites seguros do consumo de álcool não se encontram estabelecidos. Assim, a recomendação é a abstenção do consumo de qualquer quantidade durante a gestação e a amamentação.
Nas mulheres, os fatores psicológicos influenciam fortemente o consumo e a progressão para abuso ou dependência. A prevalência de transtornos psiquiátricos é significativamente maior entre as mulheres do que entre os homens alcoolistas, principalmente os quadros de depressão e ansiedade. Tentativas de suicídio também são mais freqüentes. Outra diferença é a seqüência de aparecimento desses problemas.
Nas mulheres é mais comum que o álcool seja utilizado para alívio de sentimentos de tristeza, solidão e baixa auto-estima, enquanto nos homens a depressão e a ansiedade são mais freqüentemente secundárias ao abuso de álcool. Estas diferenças implicam em abordagens distintas para homens e mulheres em termos de tratamento e prevenção.
Concluindo, é importante salientar que o consumo de álcool entre as mulheres repercute dramaticamente no ambiente familiar, influenciando o bem estar físico e psicológico de seus membros (cônjuge, filhos e idosos), o tratamento é eficaz quando aborda os quadros depressivos e ansiosos freqüentemente associados e a educação dos adolescentes a respeito dos efeitos do consumo abusivo de álcool extremamente necessária.
(*) Monica L. Zilberman é médica psiquiatra formada pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, com doutorado pelo depto. de Psiquiatria da USP e pós-doutorado pela Universidade de Calgary, no Canadá. Atualmente é professora da pós-graduação em Psiquiatria da USP e pesquisadora do Laboratório de Psicofarmacologia (LIM-23) do Instituto de Psiquiatria da USP. Email: monica.zilberman@ uol.com.br.
(**)O conteúdo dos artigos médicos é de responsabilidade exclusiva dos autores.