UNGASS 2008
12/06/08
Brasil afirma que países devem reconhecer direitos humanos de grupos mais vulneráveis à epidemia
Nova York – O Brasil defendeu que é dever dos governos de todos os países reconhecer os direitos humanos das populações mais vulneráveis à epidemia de aids, incluindo a promoção de mudanças nas legislações nacionais. “Somos todos portadores de direitos humanos e defendê-los é uma obrigação que deve de todos os estados, sem exceção”, disse a diretora do Programa Nacional de DST e Aids do Ministério da Saúde, Mariângela Simão, no painel “Os desafios de promover liderança e apoio político em países com epidemias concentradas”, durante o segundo dia da Sessão Especial da Assembléia Geral das Nações Unidas sobre HIV e Aids (UNGASS). O encontro, que termina nesta quarta-feira (11/6), em Nova York, nos Estados Unidos, reúne 3 mil delegados de governos e organizações da sociedade civil de 160 países, além de agências internacionais.
“Em relação à aids, essa questão [o reconhecimento e a defesa dos direitos humanos] diz respeito, sobretudo, às populações mais vulneráveis ao HIV, como gays, outros homens que fazem sexo com homens, bissexuais, travestis, prostitutas, usuários de drogas e as pessoas que vivem com o vírus. São eles os mais afetados pelo estigma e pela discriminação”, disse Mariângela Simão, que destacou a realização da primeira Conferência Nacional para Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros, finalizada no último dia 8 de junho, em Brasília. “O que se defende para esta e outras populações são direitos iguais”. Comentando o posicionamento de uma representante dos Estados Unidos sobre a ênfase da política mundial no tratamento de crianças com aids, Mariângela reconheceu a importância de tratar crianças infectadas pelo HIV, mas advertiu que é preciso, fundamentalmente, aumentar o acesso a tratamento para mulheres de todas idades que sejam portadoras do vírus da aids. “Isso inclui as mulheres de grupos mais vulneráveis à epidemia, como prostitutas e mulheres vítimas de violência. Sem tratamento adequado para as mulheres, nunca poderemos evitar a transmissão [do HIV] da mãe para criança”.
Integralidade – À tarde, no debate geral de representantes de estados, a ministra Nilcéa Freire, da Secretaria Especial da Presidência da República de Políticas para Mulheres, reafirmou a integralidade da resposta brasileira à epidemia, que inclui promoção da saúde, prevenção, assistência e tratamento, no âmbito do Sistema Único de Saúde. “Nossa resposta provou ser sustentável, renovável e alinhada à dinâmica social e epidemiológica da aids, por meio de ações que buscam ampliar a prevenção de novas infecções e prover assistência integral e universal às pessoas que vivem com HIV e aids”.
A ministra destacou, ainda, que somente 30% dos pacientes que necessitam de tratamento, no mundo, têm acesso aos medicamentos anti-retrovirais e insumos laboratoriais, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS) e o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV e Aids (UNAIDS). “Uma das ações tomadas pelo Brasil para assegurar o acesso universal ao tratamento foi a decretação de licença compulsória de um anti-retroviral, em 2007, permitindo ao governo comprar versão genérica da droga. Cada dólar dos 30 milhões economizados é crucial para salvar mais vidas no Brasil e em outras partes do mundo”. Leia a íntegra do discurso abaixo.
Sociedade civil – Na plenária de representantes da sociedade civil, Gulnara Kurmanova (Quirguistão), da Coalizão Internacional da Saúde da Mulher, disse que os profissionais do sexo devem ser protegidos por leis trabalhistas. Ela também defendeu o combate ao estigma, à discriminação e à violência e condenou a “ineficiência” de programas e políticas moralistas. “Profissionais do sexo não são parte do problema da aids, mas da solução”.
Leonardo Sanchez (República Dominicana), da ONG Amigos Siempre Amigos, lembrou as mortes de homossexuais em alguns países da África, Ásia, América Latina e Caribe, dizendo que dois terços dos países proíbem o sexo entre pessoas do mesmo sexo. “A alta prevalência [do HIV] nessa população manifesta sua exclusão das políticas de prevenção e dos serviços de atenção à saúde; e uma negligência dos estados no envolvimento dessas pessoas no processo de elaboração de políticas públicas”, disse Sanchez, destacando a necessidade de se obter mais dados sobre mulheres que fazem sexo com mulheres. “Os dirigentes das nações não podem ser seletivos em suas decisões; eles devem governar para todos”.
Para Winnie Seruma (Reino Unido), do Conselho Mundialde Igrejas, a iniciativa global de enfrentamento da epidemia deve não apenas falar de acesso universal a insumos de prevenção e a medicamentos; deve garanti-los, de fato. “O HIV não é uma questão moral. Os governos devem abolir leis que criminalizam a transmissão do vírus”.
Gracia Violeta Ross, da Rede Boliviana de Pessoas Vivendo com HIV e Aids, voltou a denunciar as restrições que alguns países impõem à entrada de pessoas soropositivas. Muitas delas, disse Violeta, têm vistos cancelados e negados quando se descobre que são portadoras do vírus. “Isso é um ultraje, que reforça o preconceito e o estigma”, afirmou à boliviana, que destacou, ainda, os casos de Brasil e El Salvador, que não têm nenhum tipo de restrição à entrada de pessoas soropositivas. “Nenhum encontro de alto nível sobre a epidemia deve ser realizado em países que desrespeitam os direitos das pessoas que vivem com HIV e aids”, finalizou Violeta.Mais Informações para a imprensa:Programa Nacional de DST e AidsAssessoria de ImprensaTelefones: (61) 3448-8100/8088Fax: (61) 3448-8090
Pronunciamento da ministra Nilcéa Freire, ministra da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres(Nova Iorque, 10 de junho de 2008)
Senhor Presidente, Senhoras e Senhores,1. No contexto das comemorações do 60° aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, eu gostaria de reafirmar o compromisso do Brasil no combate ao HIV e à aids, assumindo integralmente a promoção e a proteção dos direitos humanos para todos.
2. Encontro-me aqui juntamente com uma delegação representando o Ministério da Saúde, liderada pela Doutora Mariângela Simão, Diretora do Programa Nacional de DST e Aids, e outra representando o Ministério das Relações Exteriores, liderada pela Embaixadora Maria Luiza Viotti, nossa representante permanente das Nações Unidas, ao lado de representantes de nossa sociedade civil e do Congresso Brasileiro. 3. A resposta brasileira à aids é integrada e abrangente. Harmoniza a promoção da saúde, prevenção e assistência, com base nos princípios do Sistema Nacional de Saúde. Nossa resposta provou ser sustentável, renovável e alinhada com a dinâmica epidemiológica e social da aids, mediante a inovação e ampliação de ações voltadas para prevenir novas infecções e oferecer atenção integral e universal às pessoas vivendo com aids.
Senhor Presidente,4. Desde nosso último encontro, em 2006, a comunidade internacional adotou passos importantes para superar barreiras que impedem o acesso a medicamentos anti-retrovirais de boa qualidade e suprimentos laboratoriais. Entretanto, muito trabalho resta a ser feito. De acordo com a OMS e a UNAIDS, em todo o mundo, apenas 30% dos pacientes que necessitam dos medicamentos os recebem.
5. Uma das ações adotadas pelo Brasil no sentido de assegurar o acesso universal foi o licenciamento compulsório de um medicamento anti-retroviral, em 2007, possibilitando ao Governo adquirir uma versão genérica da mesma droga. Nosso objetivo é assegurar a sustentabilidade a longo prazo da política universal do acesso e oferecer acesso a medicamentos de terceira linha para os que deles necessitam. Cada dólar dos 30 milhões economizados é crucial para salvar mais vidas no Brasil e em outras partes do mundo.
6. Essa medida está alinhada com os acordos internacionais sobre comércio e a Declaração de Doha sobre o TRIPS e Saúde Pública, além da legislação nacional. 7. Como um passo maior em relação à Declaração de Doha, permitam-me aproveitar esta oportunidade para mencionar a adoção da Estratégia Global em Saúde Pública, Inovação e Propriedade Intelectual durante a última Assembléia Mundial de Saúde. Os Estados-Membros comissionaram a OMS para desempenhar um papel estratégico e central no relacionamento entre saúde pública, inovação e propriedade intelectual. Como a Dra. Margaret Chan afirmou: “Este é um grande acontecimento para a saúde pública, que beneficiará muitos milhões de pessoas por muitos anos à frente; é uma contribuição para a equidade em saúde e para uma saúde pública eficiente e pró-ativa.".
8. A capacidade de compra de remédios e outros suprimentos permanece um importante desafio para a maior parte dos países em desenvolvimento. Visando abordar essa questão, o Brasil e a França, juntamente com o Chile, a Noruega e o Reino Unido, lançaram, em setembro de 2006, a UNITAID. Até o momento, o mecanismo acumulou cerca de 300 milhões de dólares, apoiando países na aquisição de tratamento de segunda linha para a infecção pelo HIV, tuberculose e malária. Mais ainda, a UNITAID é apoiada pelo processo de pré-qualificação da OMS, visando acelerar a entrada no mercado de medicamentos genéricos seguros e de boa qualidade para as três enfermidades.
9. Também gostaria de frisar a importância da promoção do uso da camisinha em todas as políticas de prevenção, o que, combinado com outras estratégias, é essencial para diminuição das taxas de transmissão do HIV. Estou convencida de que uma das razões pelas quais o Brasil conseguiu estabilizar a epidemia é o aumento significativo no uso da camisinha masculina, não apenas entre os grupos mais vulneráveis, mas também entre a população em geral. O Brasil comprou recentemente um bilhão de camisinhas masculinas para distribuição pública. Este ano, também estamos comprando 6 milhões de camisinhas femininas para distribuir entre grupos específicos: profissionais do sexo e mulheres submetidas a violência sexual ou doméstica. Segundo a nossa experiência, outras estratégias de prevenção baseadas em valores morais, tais como a abstinência e fidelidade, devem permanecer como escolhas individuais, não como fundamento de políticas de saúde pública.
Senhor Presidente,10. A aids permanece como o principal desafio para a saúde pública em termos de doenças infecciosas. Portanto, deve continuar sendo tratada em conjunção com esforços para fortalecer os sistemas de saúde a longo prazo. As características específicas da epidemia requerem recursos apropriados, uma vez que seu potencial para sobrecarregar os sistemas de saúde é imenso.
11. Também devemos reconhecer que a abordagem à aids é algo que vai além do setor de saúde. No Brasil, a luta contra a aids é um esforço comum que envolve vários setores do governo, organizações da sociedade civil, universidades, o setor privado, as agências da ONU e parceiros bilaterais.
12. Nesse contexto, o Presidente Lula lançou, em março de 2007, um plano nacional para o enfrentamento da feminização da aids e outras doenças sexualmente transmissíveis, uma iniciativa conjunta entre a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres e o Ministério da Saúde, com o apoio do UNFPA, UNICEF, UNIFEM e das organizações da sociedade civil brasileira. 13. Esse plano enfoca as questões que contribuem para a vulnerabilidade acrescida das mulheres à infecção pelo HIV e outras DST. A violência doméstica e sexual contra mulheres e meninas, assim como o estigma e discriminação baseadas em raça e orientação sexual, são expressões reais da desigualdade entre homens e mulheres, e somente podem ser tratadas com a incorporação, na agenda política, de uma perspectiva de gênero, em particular a promoção e proteção de direitos sexuais e reprodutivos.
Senhor Presidente,14. Outra importante prioridade é a luta contra a epidemia entre os homens, outros homens que fazem sexo com homens, e transgêneros. Tenho a honra de anunciar que na semana passada o Presidente Lula lançou a 1ª Conferência Nacional LGBT, parte de um programa governamental integrado, chamado “Brasil sem homofobia”. A Conferência reuniu representantes da sociedade civil e do Governo na discussão de abordagens pragmáticas para reduzir as diferentes vulnerabilidades que afetam essa população, incluindo estratégias visando à adoção de uma lei que criminalize a homofobia. 15. No sentido de aproveitar o impulso político gerado por esta UNGASS, é necessário que nossos governos comprometam-se a proteger os direitos humanos dos grupos vulneráveis e a ampliar o acesso à informação, prevenção, tratamento e assistência.
Senhor Presidente,16. Para concluir, permita-me dizer que nós, governos, agências da ONU, a sociedade civil, o setor privado, assim como as comunidades afetadas, temos que empreender mudanças estruturais e, ao mesmo tempo, atender às necessidades das pessoas que precisam de tratamento e inclusão social, bem como estratégias de prevenção, incluindo os grupos vulneráveis. Gostaria de expressar nosso agradecimento pelo papel que a UNAIDS está desempenhando nesta luta, ajudando-nos a concentrar os esforços da ONU no sentido do fortalecimento das respostas nacionais para combater essa epidemia.