30/09/2008

DIREITO A EDUCAÇÃO

DIREITO À EDUCAÇÃO
Paulo César Carbonari
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou nos últimos dias dados que mostram a situação social brasileira e, entre tantas informações auspiciosas, chamam à atenção negativamente os dados sobre a situação educacional.
Os dados revelam que ainda há muito por fazer para efetivar a educação como um direito. Mostram, sobretudo, que, mesmo que o acesso ao ensino fundamental tenha sido praticamente universalizado, o fato de as crianças estarem na escola não significa que o direito à educação esteja efetivamente garantido como direito de ir à escola para aprender. Além do mais, há um contingente ainda significativo de brasileiros e de brasileiras que continuam analfabetos.
Segundo o IBGE, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio de 2007 informa que, da população entre 7 e 14 anos que freqüenta a escola, 2,1 milhões (8,4%) continuam analfabetos, sendo que no Nordeste é quase o dobro da média nacional (15,3%) e no Norte, 12,1%. Ademais, dados sobre a qualidade da educação no ensino fundamental, resultantes de avaliações feitas pelo Ministério da Educação, mostram que menos de um terço dos alunos da quarta série sabe o conteúdo da língua portuguesa e pouco mais de 20% o de matemática.
O Instituto mostra também que o contingente total de analfabetos era de 14,1 milhões (taxa de 10%) de pessoas de 15 anos ou mais de idade, sendo 52% deles na Região Nordeste, 40,1% de pessoas acima de 60 anos de idade, 36,5% com idade entre 40 a 59 anos e que, da população que vive com até meio salário mínimo de rendimento familiar per capita, de cerca de 18%, enquanto nas classes de rendimentos superiores a 2 salários mínimos, encontrava-se 1,4% de analfabetos. A taxa de analfabetismo funcional era de 21,6% (cerca de 30 milhões de pessoas com 15 anos ou mais), sendo que a taxa para a população rural era de 42,9% (mais do que o dobro da apurada para a urbana – 17,8%); no Nordeste a média é de 33,5% (53,2% no meio rural) e no Norte de 25%.
Os dados colhidos apontam para um contingente amplo da população brasileira, mesmo do que está na escola fundamental, não tem acesso às condições básicas para o exercício da cidadania, visto que não sabe operar o instrumento básico de mediação da comunicação, como interação social, a linguagem escrita.
Não saber ler e escrever não é apenas problema funcional, é limitação objetiva à participação social, econômica, política e cultural. Ora, sem dominar estas mediações, como pode uma pessoa compreender os conteúdos da sociedade do conhecimento? Não fica ela limitada na possibilidade de ir e vir pelo simples fato de não saber qual linha de ônibus tomar? Não fica ela com menos condições para opinar, dado que não pode fazê-lo, por exemplo, escrevendo uma carta para a "Coluna do Leitor" do jornal (aliás, para ela, jornal e "papel de embrulho" não têm diferença)? Não terá dificuldade até para ser um/a trabalhador/a doméstico/a, visto que se receber um telefonema para o morador da casa que está momentaneamente ausente não terá como anotar o recado (e por isso certamente será preterido/a na hora de ocupar a vaga de emprego)? Dificuldades triviais, menos importantes, dirão os que confortavelmente lêem estes assuntos desde suas "poltronas cidadãs". Não! Não se trata de dificuldades triviais, trata-se de situações que mostram no concreto como fica restringida a cidadania de quem não domina o uso desses códigos de convivência.
E como ficam os/as mais de dois milhões que foram à escola e que dela saíram como se nunca tivessem entrado. Dizer que ficaram decepcionados é pouco! Foram sobre-excluídos! A exclusão básica foi-lhes reforçada. A escola serviu não somente como um lugar de exclusão efetiva; tornou-se um lugar que levou a uma aprendizagem perversa, a de que para eles/as não há mesmo solução (e continuarão a ouvir em toda campanha eleitoral que a educação é a solução, mas não para eles/as).
Provavelmente o que estamos dizendo não é novo, nem quer ser. O que queremos é nada mais do que lançar luz sobre os dados divulgados e convidar as consciências cidadãs a entender que não serão cidadãs enquanto houverem milhões que não são. Por isso, se quisermos continuar acreditando que a educação é solução efetivamente sustentável e capaz de promover a inclusão mais igualitária e com cidadania, temos que nos comprometer efetivamente mais do que com o direito de acesso à escola, também com o direito de ir à escola para aprender.
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Defensor de direitos humanos (CDHPF/MNDH) e professor de filosofia (IFIBE)
Publicado pelo Jornal Diário da Manhã de 30/09/2008, p. 2.