02/09/2008

Leonardo Boff Teólogo Soma não zeroHá um debate nas ciências e em toda a reflexão filosófica que sempre de novo ressurge e que está presente também na cotidianidade de nossa existência. Olhando as coisas como estão no mundo, seja no seu aspecto social e ecológico - os desastres que estão ocorrendo com milhares de vitimas - seja considerando a nossa própria vida, cheia de contradições, de parcos momentos de felicidade e longos de tribulação, nos interrogamos: a vida tem mesmo sentido? Não é tudo um jogo contraditório, onde crimes se misturam com virtudes, esperteza se junta com generosidade e farisaismo com retidão? Não raro encontramos pessoas que de fora se mostram gentis e ternas, mas que de perto se revelam voluntaristas e, não raro, muito autoritárias. Costumamos dizer que essa é a condition humaine que nos faz sapientes (sapiens) e simultaneamente dementes (demens). Com efeito, somos a coexistência sofrida desses contrários. Será sempre assim? Conseguiremos, em nossa vida, imitar Deus que escreve direito por linhas tortas? Estas angustias não poupam pessoas religiosas e até intelectualmente bem formadas. A fé não tira o fiel destas obscuridades. Que o digam os místicos como São João da Cruz que fala da “noite escura dos sentidos” onde todos os deleites da vida desaparecem e a aridez assola a alma. Mas isso é apenas o começo. Depois virá “a noite do espírito”. Esta é “terrível e amedrontadora” porque mergulha a alma na experiência do inferno e na completa ausência de Deus. Quem tiver paciência e obstinação de continuar crendo no sol mesmo que tenha sido tragado pela noite ou aprisionado pela escuridão, este herdará uma alegria e um deleite que já significa a antecipação daquilo que chamamos de céu. Mas como demora e quanto custa! Esta questão é suscitada hoje com freqüência na reflexão da moderna cosmologia. Renomados cientistas optam pela não direcionalidade do universo. Ele é simplesmente sem sentido. Outros, cito apenas um, o conhecido físico da Grã-Bretanha Freeman Dyson que testemunha:”Quanto mais examino o universo e estudo os detalhes de sua arquitetura, tanto mais evidências encontro de que o universo, de alguma maneira, deve ter sabido que estávamos a caminho”. Efetivamente, o princípio andrópico assegura que se não tivesse ocorrido, nos primeiríssimos momentos após o big bang, um equilíbrio sutil, de biiolésimos de segundos, entre a força de atração e a de expansão, não haveria condições de se formar a matéria e assim a vida seria impossível e consequentemente o ser humano. Olhando retrospectivamente o processso evolucionário que já possui 13,7 bilhõs de anos, não podemos negar que houve uma escalada ascendente na direção de cada vez mais complexidade, de cada vez mais vida e de cada vez mais subjetividade que permite o pensar, o sentir, o amar e o cuidar. O conhecido pensador R. Wright fala, neste contexto, de “soma não zero”. Diz que “colocando tudo na balança, no longo prazo, situações de soma não zero produzem somas mais positivas que negativas”. Em outras palavras, vigora irrecusável direcionalidade da história, fazendo que haja sempre um desempate em favor do sentido contra o absurdo. É esse mínimo de positividade, soma não zero, que funda a esperança no destino feliz do universo e de nossa atribulada existência. O embate entre caos e cosmos, justiça e injustiça continua, mas o desfecho se verga na direção da vitória do cosmos e da da justiça. Não é esse o desejo humano mais profundo e o impulso indomável do coração?