O direito à saúde e o negócio da saúde
O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, acaba de anunciar, numa reunião com grande número de empresários, que o direito de todos à saúde, garantido pela Constituição, poderá ser fraudado com o apoio formal do governo, sem que os fraudadores tenham o trabalho de procurar subterfúgios para vender serviços de saúde, ganhar um bom dinheiro nesse ramo de negócio e não pagar impostos.
Será a oficialização daquilo que, com fundamento em fatos reiterados, ganhou, na gíria político-administrativa, o expressivo nome de "pilantropia", que é a utilização da fachada formal de instituição filantrópica para aumentar o proveito econômico. A saúde foi proclamada como um dos direitos humanos fundamentais na Declaração Universal dos Direitos Humanos, que neste ano está comemorando 60 anos.
A par disso, a ONU aprovou, em 1946, a constituição da Organização Mundial de Saúde, fixando-se em seu documento constitutivo um novo conceito de saúde, que já não é mais concebida apenas como ausência de doença, mas como o estado de completo bem estar físico, mental e social.
Assim, todos têm o direito de receber cuidados de saúde quando já houver uma doença suspeita ou diagnosticada, tendo também o direito de direito de exigir que os governos estabeleçam políticas públicas e desenvolvam ações que protejam efetivamente a saúde.
Obviamente, se alguém está doente, se já não goza do completo bem estar porque tem uma doença provável ou já diagnosticada, essa pessoa tem o direito de receber, imediatamente e com atenção individualizada, os serviços necessários para a preservação ou a recuperação da saúde. A Constituição de 1988 estabeleceu, no artigo 196, que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante ações diversas que visem, entre outras coisas, o acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação da saúde.
A execução de tais ações e serviços é sempre dever do Estado, que pode, entretanto, executá-los diretamente ou através de terceiros, num sistema integrado que foi denominado Serviço Único de Saúde- SUS.Segundo o artigo 199 da Constituição, as instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema de saúde, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.
Com base nesses dispositivos, grandes organizações hospitalares privadas, que recebem muito dinheiro pelos serviços que prestam a particulares, inscreveram-se nos órgãos federais competentes como entidades filantrópicas, obrigando-se a oferecer 60% dos leitos ao sistema público de saúde ou a aplicar 20% de sua receita em atendimentos gratuitos, recebendo, como compensação, a isenção do pagamento de tributos.
O que tem sido denunciado reiteradamente por órgãos federais, é que grandes entidades registradas como filantrópicas falseiam dados sobre a prestação de serviços ao setor público e, assim, beneficiam-se indevidamente da isenção tributária. Numa reunião com empresários do setor da saúde, realizada no dia 27 de Outubro, o Ministro da Saúde, José Gomes Temporão, anunciou que as regras sobre filantropia serão flexibilizadas, no estilo neoliberal.
Em lugar do oferecimento de serviços como exames, consultas, internações, cirurgias, as entidades filantrópicas oferecerão um pacote de serviços indiretos, como a realização de pesquisas e o treinamento de profissionais, por exemplo. Numa tentativa inglória e mal sucedida de justificar essa decisão absurda, que tornará ainda mais grave o já deficiente atendimento do direito à saúde das populações mais pobres, disse o ministro que os grandes hospitais filantrópicos "são os melhores hospitais brasileiros, de excelência", omitindo o fato de que eles são muito bons como prestadores dos serviços médicos e hospitalares, o que é completamente diferente da realização de pesquisas e cursos de treinamento.
Quanto ao atendimento dos necessitados de serviços de saúde imediatos, o Ministro ignorou os deveres constitucionais, limitando-se a dizer que isso será discutido com as Secretarias Municipais de Saúde.
A única coisa certa é que as isenções tributárias serão mantidas, em troca de contrapartidas que nem de longe terão, em termos de proteção da saúde das populações mais pobres, o efeito prático das obrigações que as filantrópicas se comprometeram a cumprir quando obtiveram o certificado de filantropia