Economia Solidária e Saúde Mental: inclusão social pelo trabalho
Consultora da Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes) no campo do Cooperativismo Social e mestranda em Sociologia do Trabalho pela Universidade de Brasília, Rita Martins explica aos Mobilizadores COEP como a Economia Solidária tem contribuído para a inclusão social de pessoas que sofrem de transtornos mentais, destacando a reflexão sobre o direito dessas pessoas em compartilhar espaços e decisões sobre seu trabalho. As experiências de intercâmbio entre os movimentos de Economia Solidária e da Reforma Psiquiátrica têm sido estimuladas e apoiadas pelos Ministérios da Saúde e do Trabalho e Emprego, que estão implementando uma Rede Nacional de Saúde Mental e Economia Solidária.Mobilizadores COEP - Por que integrar os movimentos da Economia Solidária e da Reforma Psiquiátrica? Que elementos eles têm em comum?R. Os movimentos da Economia Solidária e da Reforma Psiquiátrica têm uma série de aproximações, uma delas é a luta por condições mais justas de se viver e de se conviver. Em ambos os movimentos, encontramos a questão da tolerância às diferenças: na economia solidária, encontramos uma outra forma de economia; na Reforma Psiquiátrica, uma outra forma de cuidado e uma outra proposta de convivência com aqueles que sofrem de transtornos mentais. Como diria o professor Singer [Paul Singer, secretário nacional de Economia Solidária], o encontro entre os dois movimentos é inevitável.Mobilizadores COEP - As experiências de Economia Solidária desenvolvidas nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPs) têm como objetivo contribuir para a inclusão social dos usuários da saúde mental através do trabalho. Como isso vem acontecendo no Brasil hoje? Há outros serviços de saúde mental que desenvolvem ações semelhantes? R. Segundo dados do Ministério da Saúde e do Sistema de Informação em Economia Solidária/SENAES/MTE, atualmente encontramos mais de 200 iniciativas de geração de trabalho e renda organizadas com a participação de usuários da rede pública de saúde mental, com uma média de 2.500 pessoas envolvidas. Grande parte destas experiências tem se aproximado aos poucos da Economia Solidária por meio dos fóruns, das feiras e de eventos promovidos pela Economia Solidária. Além dos CAPs, os Centros de Convivência e Cultura também participam ativamente das ações direcionadas à inserção de pessoas com transtorno mental no trabalho. Existem também algumas parcerias promissoras com a saúde do trabalhador, por meio dos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador.Mobilizadores COEP - O que significa para os usuários do serviço mental o envolvimento em uma atividade de geração de renda? Como se dá distinção entre as atividades de terapia ocupacional e as atividades de geração de renda?R. A discussão sobre trabalho dentro do campo da saúde mental tem se tornado cada vez maior. Durante muito tempo o debate esteve restrito aos efeitos terapêuticos do trabalho, contudo não podemos deixar de lembrar de que o trabalho também adoece e que, muitas vezes, causa dor e sofrimento. Neste sentido, a dimensão do direito ao trabalho tem se tornado uma grande questão dentro do campo da saúde mental. Durante décadas as pessoas que sofriam de transtorno mental foram tratadas como incapazes para a vida em sociedade e para a convivência em ambientes de trabalho. Por isso, durante anos, essas pessoas ficaram restritas aos manicômios e às práticas protegidas de trabalho. Hoje, ainda encontramos um cenário em transformação, onde práticas desumanas e inovadoras convivem no campo da saúde mental. Contudo, podemos dizer que o encontro entre Economia Solidária e Saúde Mental tem trazido indagações importantes sobre o direito das pessoas com transtorno mental de compartilhar espaços e decisões sobre o que produzem, como produzem e o que farão com o que é produzido e, mais que isso, sobre a autonomia e o direito à voz destas pessoas.Mobilizadores COEP - Quais são as principais características dos empreendimentos solidários ligados aos serviços de saúde mental? Como se organizam? As iniciativas são informais ou contam com qualificação profissional, estruturação de redes de comercialização, formalização legal?R. Grande parte dos grupos de geração de trabalho e renda formados por usuários da rede de saúde mental são informais. Muitos comercializam seus produtos por meio de associações ou de forma autônoma, com cada artesão vendendo seu produto. Existe uma crescente aproximação das entidades de assessoria do campo da Economia Solidária, em especial das Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares (ITCPs). Alguns grupos da saúde mental já recebem assessoria há bastante tempo, como, por exemplo, o grupo GerAção de Porto Alegre e a Associação Trabalharte, de Juiz de Fora, ambos assessorados por incubadoras como qualquer outro empreendimento econômico solidário. O interessante é que, segundo as ITCPs que tiveram esta experiência, não há uma diferença no processo de incubação, apenas no tempo da incubagem. Muitas vezes é necessário um tempo maior de acompanhamento dos grupos da saúde mental em comparação a outros empreendimentos econômicos solidários.Mobilizadores COEP - Como são conduzidas as atividades e qual o destino dos produtos criados pelos usuários dos CAPs? Que outros atores – além dos usuários – estão envolvidos nessas experiências de geração de trabalho e renda?R. Não é possível definir a dinâmica de trabalho dos grupos, já que cada um possui uma forma de organização e concepção do trabalho. Podemos afirmar que grande parte transita entre o terapêutico e a geração de trabalho e renda. Naqueles que têm por objetivo maior a geração de trabalho e renda, os produtos são comercializados em feiras, lojas e eventos, tanto da Saúde Mental quanto da Economia Solidária. Nestes grupos, também há a participação de familiares dos usuários, profissionais de saúde e pessoas da comunidade em geral.Mobilizadores COEP - Em novembro de 2004, os Ministérios da Saúde e do Trabalho e Emprego realizaram uma Oficina de Experiências de Geração de Renda e Trabalho, que discutiu a sustentabilidade destas iniciativas. Quais são os principais desafios a serem enfrentados?R. No ano de 2004, foi realizado o primeiro encontro nacional para construção de ações efetivas para a inserção das pessoas com transtorno mental no mundo do trabalho. Nesta ocasião, estiveram presentes 78 iniciativas de diferentes lugares do Brasil para compartilhar suas experiências e contribuir para a construção de uma política pública de interface entre a saúde mental e a economia solidária. Desta oficina saiu a proposta de reunir diferentes atores num grupo de trabalho interministerial com a missão de delinear os primeiros passos desta parceria. Como produto deste grupo, foi lançado um relatório com recomendações dos Ministérios da Saúde e do Trabalho e Emprego, bem como ações para execução a curto e médio prazos. Podemos citar algumas destas ações que já estão em desenvolvimento pela Secretaria Nacional de Economia Solidária: a participação da saúde mental nos editais do Programa Nacional de Incubadoras de Cooperativas Populares e no Plano Nacional de Qualificação Profissional da Economia Solidária, bem como a participação de empreendimentos da saúde mental na Campanha Nacional de Economia Solidária.Mobilizadores COEP - No mesmo encontro, surgiu uma proposta de criação da Rede Nacional de Saúde Mental e Economia Solidária? Houve avanços nessa idéia; quais os objetivos da Rede?R. Um dos desafios desta parceria entre saúde mental e economia solidária é a criação de uma Rede Nacional, onde os grupos poderiam trocar experiências, realizar intercâmbios entre seus membros, bem como criar arranjos produtivos e de comercialização entre si. Para dar vida a esta proposta, 32 municípios, nas cinco regiões do país, receberam assessoria técnica para construção de planos de ação para implementação de ações em parceria entre saúde mental e economia solidária. Esta iniciativa está em fase de implementação, com a supervisão e acompanhamento da Área Técnica de Saúde Mental do Ministério da Saúde e da Secretaria Nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego.Entrevista concedida a: Danielle BittencourtEdição: Danielle Bittencourt e Eliane AraújoEsperamos que tenham gostado da entrevista. Lembramos que o espaço abaixo é destinado a comentários. O entrevistado não se compromete a responder as perguntas aqui postadas.
Fonte:
Mobilizadores COEP
Autor:
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Data:
1/8/2008