Intervenção do Ministro de Estado Chefe do Gabinete de Segurança Institucional e Presidente do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas, General Jorge Armando Felix, no Debate Geral do Segmento de Alto Nível da UNGASS
11 de março de 2009
Senhor Presidente,
A revisão das propostas e metas estabelecidas e firmadas pelos países membros, durante a 52ª Sessão Especial da Assembléia Geral das Nações Unidas (UNGASS), em 1998, enseja a oportunidade de reflexão acerca dos avanços e desafios em relação às estratégias para a contenção do problema das drogas, e reitera o comprometimento assumido pelo Brasil com a comunidade internacional e com o seu próprio povo na matéria.
No esteio das respostas brasileiras aos compromissos firmados em âmbito internacional, importantes conquistas têm sido alcançadas em termos de fortalecimento institucional e incremento das condições para o enfrentamento do fenômeno das drogas.
Em 1998, o Brasil criou a Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD), diretamente vinculada ao Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, com a missão de articular e coordenar a elaboração da política nacional antidrogas. De imediato, a nova Secretaria deu início ao processo de construção da política, concluído em 2002, com a aprovação da Política Nacional Antidrogas.
Com a eleição do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003, os fundamentos da Política foram reavaliados e atualizados, levando-se em consideração os novos achados da ciência, as transformações sociais, políticas e econômicas pelas quais o Brasil e o mundo vinham passando. Como resultado de um amplo processo de participação popular, mediado pela comunidade científica, foi lançada, em 2005, a Política Nacional Sobre Drogas, assentada em fundamentos científicos, com uma abordagem ampla e equilibrada do tema, sob os aspectos da Saúde Pública, dos Direitos Humanos e das garantias constitucionais de cada cidadão.
Esse documento de Estado vem, ao longo dos últimos anos, demonstrando o forte empenho do Governo brasileiro na superação das barreiras do sectarismo, comprovando que a intersetorialidade e a responsabilidade compartilhada nas ações de redução da demanda e da oferta de drogas nos permitem ir além da discussão simplista, apaixonada e polarizada entre os modelos proibicionista e de legalização.
Progresso não menos significativo refere-se à modernização legislativa que tem sido levada a termo no país. A nova Lei sobre Drogas, de 2006, instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas Sobre Drogas, que, de modo inovador, diferenciou as figuras do traficante e do dependente químico, assegurando tratamento diferenciado a esses diferentes atores. Da mesma forma tipificou o crime de financiamento do narcotráfico, objetivando a descapitalização do crime organizado.
No conjunto dos esforços relacionados à redução da oferta de drogas, o Governo brasileiro tem adotado estratégias de intervenção cada vez mais intensas para o monitoramento das fronteiras, o controle de precursores, a erradicação de cultivos ilícitos, a desarticulação do narcotráfico e o combate à lavagem de dinheiro. Cabe salientar que, em relação ao controle de psicotrópicos, entorpecentes e precursores, houve, também, avanços significativos na legislação nacional sobre vigilância sanitária, imprimindo maior rigor à fiscalização do comércio nacional e internacional de substâncias controladas – com a inclusão de dispositivos ainda mais rigorosos que os previstos por esta Organização das Nações Unidas. A regulamentação da publicidade de medicamentos também se tornou mais criteriosa, passando a abranger anúncios veiculados na internet.
Tanto na esfera da redução da oferta, por meio de ações de fiscalização e policiamento ostensivo, como na redução da demanda, a intensificação da cooperação internacional tem sido uma estratégia amplamente utilizada pelo Governo, no sentido de otimizar esforços e articular soluções capazes de reduzir o impacto do consumo e do tráfico de drogas.
No campo internacional, o Brasil consolidou, na última década, atuação destacada nos diversos foros multilaterais, subregionais e regionais sobre o tema. No nível bilateral, mantém estreito diálogo e cooperação com vários países, mormente com os vizinhos da América do Sul.
No que concerne à área da redução da demanda de drogas, o Brasil tem pautado suas ações em estreita articulação com a comunidade científica, no estabelecimento de parcerias estratégicas e na produção de diagnósticos sobre padrões de consumo de drogas, que norteiam o planejamento das intervenções adotadas. Seguindo estas diretrizes e, atento aos compromissos quanto à dimensão ética e à perspectiva dos direitos humanos, o país tem buscado soluções isentas de conotação moral, valorizando e promovendo intervenções de redução de danos como estratégia de saúde pública. Outra importante orientação política e estratégica, que tem pautado as ações na área de redução da demanda, refere-se ao reconhecimento e a valorização de alternativas geradas pelas próprias comunidades. Foram realizados relevantes processos de capacitação, a partir de informações científicas, atualizadas e desprovidas de preconceito, para os diversos atores implicados na abordagem do problema das drogas nos seus respectivos espaços de atuação. Soma-se a esta estratégia, a ampla discussão do tema colocado na agenda pública, como um avanço irreversível, envolvendo e comprometendo os diversos segmentos sociais na construção coletiva das alternativas de enfrentamento da questão.
Em dezembro de 2008, o Brasil deu mais um importante passo na modernização legislativa e na garantia dos direitos humanos, ao estabelecer que conduta que não envolva prática de mercancia não pode ser considerada como tráfico ilícito de drogas. Com essa medida, permite-se tratamento diferenciado entre pequenos e grandes traficantes de drogas. Nesse sentido, a nova Lei de drogas brasileira já, em 2006, aboliu definitivamente a pena privativa de liberdade para o cidadão usuário de drogas.
Nesta década, é preciso reconhecer o quanto evoluímos, o que nos dá a satisfação de poder compartilhar hoje, no contexto deste Segmento de Alto Nível, os avanços conquistados. Isto, porém, não nos autoriza a considerar cumprida a missão.
Temos clareza de que as metas de um “mundo sem drogas” se mostraram inatingíveis, com visível agravamento das “consequências não desejadas”, tais como aumento da população carcerária por delitos de drogas, aumento da violência associada ao mercado ilegal das drogas, aumento da mortalidade por homicídio e violência entre jovens - com reflexo dramático nos indicadores de mortalidade e de expectativa de vida da população. Agregue-se a isso exclusão social por uso de drogas, a ampliação do mercado ilegal e a emergência de novas drogas sintéticas.
O processo de revisão da UNGASS aponta a necessidade de uma avaliação sistemática das políticas sobre drogas. Neste momento histórico, que oferece aos Estados Membros a oportunidade de repensar os caminhos percorridos e os leva, ademais, a refletir sobre os desafios ainda existentes, o Brasil não apenas valida os compromissos assumidos, mas reafirma e persegue a necessidade de avançar com firmeza:
§ no reconhecimento das estratégias de Redução de Danos, como medida de ampliação de acesso às ações de saúde pública dirigidas aos dependentes de drogas e aos portadores de HIV/AIDS;
§ na garantia dos Direitos Humanos dos cidadãos usuários de drogas;
§ na correção do desequilíbrio entre os investimentos destinados as áreas da Redução da Demanda e Redução da Oferta de Drogas;
§ na ampliação das ações e programas de prevenção baseados em evidências científicas, com ênfase nos segmentos populacionais vulneráveis ao consumo de drogas;
§ na ampliação do acesso à atenção e à reinserção social de usuários de drogas problemáticos, reconhecendo a importância de diferentes abordagens e modelos de tratamento;
§ no aumento dos investimentos na produção do conhecimento científico na área de drogas.
Muito Obrigado, Senhor Presidente!