CARTA ABERTA AO MINISTRO GILMAR MENDES
O relatório da CPI do Sistema Carcerário e os mutirões do Conselho Nacional de Justiça estão trazendo à tona a realidade das penitenciárias e dos presos no Brasil. São cerca de 440 mil presos no País abrigados em penitenciárias e cadeias superlotadas, com capacidade para 260 mil detentos, em ambientes insalubres, degradantes e cruéis. Desses, 191 mil estão sob prisão provisória. É uma legião de esquecidos pelo Estado e pela sociedade, de excluídos dos direitos fundamentais e de incluídos em um verdadeiro programa de educação para o crime.
O Poder Judiciário é também responsável por esse cenário de horror. Segundo o CNJ, um terço dos presos (147 mil) está ilegalmente, ou porque já cumpriu pena, ou porque não deveria ter sido preso. Se nós, juízes, ficássemos atentos ao princípio da dignidade da pessoa humana, à cautelaridade das prisões provisórias (CPP, art. 312), à aplicação das penas alternativas de comprovada eficácia pedagógica na substituição da pena privativa de liberdade (CP, art. 44) e às disposições da Lei de Execução Penal, contribuiríamos em muito para minimizar o horror da superlotação das penitenciárias e cadeias públicas.
O caos do sistema carcerário brasileiro, no entanto, não se resume em superlotação. É a concentração de muitos presos, a insalubridade e ociosidade que favorecem a proliferação de doenças mentais e físicas, inclusive contagiosas (tuberculose, pneumonia, hanseníase), aliada ao distanciamento da família e da atividade sexual regular. A execução penal no Brasil não é ressocializante e includente. Afronta a Constituição Federal, os tratados e convenções internacionais e a Lei de Execução Penal.
Vossa Excelência tem cumprido um papel destacado e histórico na pintura desse real quadro do horror e na articulação de alternativas de soluções civilizatórias e humanas, seja no Supremo Tribunal Federal, seja na presidência do CNJ, com mutirões carcerários, virtualização das Varas de Execução Criminais, Núcleos de Assistência Voluntária e construção de Casas de Justiça e Cidadania.
Ousamos afirmar, todavia, que essas e outras medidas anunciadas, embora relevantes e fundamentais, não enfrentam o mais grave problema do sistema carcerário brasileiro, que é modelo concentrador de presos em grandes estabelecimentos penais e nas maiores cidades do país, como idealizado pelo Departamento Penitenciário Nacional - DEPEN, que os submete ao controle de facções criminosas e a uma convivência de promiscuidade e violência, tornando esses ambientes incompatíveis com a ressocialização e inclusão social, apesar dos altos custos financeiros.
Há pesquisas demonstrando que a grande maioria dos presos entra nos presídios com a intenção de cumprir sua pena e de retornar ao convívio social, mas, socializados para o crime e a violência, voltam a delinquir de forma mais organizada e com maior truculência em relação às suas vítimas.
A ressocialização depende do apoio familiar e da comunidade onde voltará a conviver o detento. As experiências das Associações de Proteção de Assistência aos Condenados - APACs, disseminadas em Minas Gerais e agora em Pedreiras-MA, têm destacado o papel relevante da família e da comunidade na reinserção social e na diminuição dos índices de reincidência.
Entendemos, Senhor Ministro, que a saída é a municipalização do sistema carcerário brasileiro em pequenas unidades, envolvendo a parceria da União, Estados e Municípios. Pelo menos em cada comarca, a princípio, deveria ter uma unidade prisional para presos provisórios e definitivos; depois, em cada município, ficando algumas das grandes e médias unidades hoje existentes para presos de alta periculosidade e vinculados às organizações criminosas.
Para essa saída, o Município deveria entrar com o terreno, enquanto a União e os Estados com recursos para construção dessas pequenas unidades, de 20 a 200 presos, de acordo com cada realidade.
A gestão desses estabelecimentos poderá ser do Município em parceria com os Estados, sob a fiscalização da sociedade civil, do Judiciário e do Ministério Público ou, onde possível, por Associações de Proteção e Assistência aos Condenados - as APACs, como temos agora em Pedreiras-MA e em vários Estados, especialmente Minas Gerais, mediante convênios com os Governos locais e estaduais.
É uma proposição para discussão e seria oportuno integrá-la no II Pacto Republicano?
São Luís, 19 de abril de 2009.
Juiz José dos Santos Costa
(2.ª Vara da Comarca de Coroatá-MA)
Juiz Roberto de Paula
(2.ª Vara da Comarca de Bacabal-MA)